quinta-feira, 11 de junho de 2009

Facilitando o aprendizado

Lecionei Psicologia da Educação para alunos de Licenciatura em Letras Português em uma Faculdade particular no Distrito Federal. Neste curso, o currículo contava com três semestres para essa matéria e a mim coube o terceiro semestre. Desde o primeiro dia de aula, os alunos questionavam-me sobre o que faltava aprender de psicologia da educação. Apesar de eu não ter elaborado o currículo, eu era a responsável pela matéria e compreendi que deveria aprofundar o que eles haviam estudado no ano anterior.

Por uma grata coincidência, eu havia realizado pesquisa sobre qual psicologia deveria ser ensinada para futuros professores de séries iniciais. Que assuntos seriam realmente úteis para as professoras lidarem com seus alunos, compreenderem suas dificuldades de aprendizagem, suas necessidades flutuantes, melhor adaptarem os conteúdos às especificidades de cada aluno ou da turma enquanto grupo, além de adaptações para alunos com necessidades educacionais especiais, por exemplo.

Procurei, junto à professora orientadora da nossa antiga pesquisa, artigos científicos da área de formação de professores que envolvessem os temas já estudados pelos alunos. A intenção era mostrar-lhes como colocar aqueles conhecimentos em sua futura prática com os alunos.

Como meus alunos ainda não lecionavam, coloquei nossa aula como laboratório. Assim, coisas típicas de sala de aula, quando vivenciadas, eram expostas à turma e analisadas. Algumas vezes, eu questionava os alunos sobre o que fariam naquela determinada situação. Também expus minhas impressões e sentimentos a respeito de suas ações para perceberem as dificuldades peculiares da profissão de professor assim como seus prazeres. Quando fazia isso, apontava quais eram as teorias que fundamentavam cada ação ou intenção, essa última no caso do objeto de análise ser uma preparação de aula.

A percepção da disposição dos alunos, adaptações do conteúdo ao clima da aula, formas de motivação da turma, alerta para atividades necessárias – ações típicas de professores – eram destacadas em determinados momentos para que os alunos se apropriassem das formas de realizar isso a sua própria maneira. Essa ação deliberada era pontuada sempre com a teoria anteriormente estudada e ainda embasada com os textos lidos para preparação de cada aula.

Essa foi a minha forma de mostrar aos meus alunos como Piaget, Wallon, Vygotsky, Skinner, Bandura e outros teóricos podem estar na sala de aula. Não apenas na psicologia da aprendizagem, mas na forma de lidar com emoções e comportamentos que surgem frequentemente nesse ambiente especial.

Não foi uma tarefa fácil, nem sempre meus alunos compreendiam onde eu queria levá-los. Mas, após alguns anos comecei a encontrar ex-alunos e os questionava diretamente sobre meu método. Todos os alunos encontrados afirmaram que a tentativa de mostrar-lhes como as teorias se aplicavam havia funcionado e eles se sentiam seguros em usá-las.

Acredito ser necessário grande aprofundamento na teoria dos grandes mestres da psicologia do desenvolvimento para transformá-las em ações. Indivíduos que encontram-se em formação fora da psicologia costumam apresentar grandes dificuldades nisso. Durante minha ação como psicóloga escolar ouço professoras apontando que estudaram Piaget, mas não conseguem aplicar as idéias dele nas crianças e adolescentes com as quais lidam.

Este texto não é uma crítica apenas aos profissionais formadores de professores. É também uma crítica a professores que não realizam a ponte do conhecimento para o mundo real.

Uso a nossa ciência para criticar o que nossos colegas têm oferecido para seus alunos. E essa experiência pode ser utilizada por nós, dentro da escola, para alertar os professores da função do ensino: preparar para a vida. O conhecimento que não é aplicável, não serve, é inútil, não será lembrado, portanto não foi aprendido. Caso o professor apresente a informação ao aluno e não lhe mostre onde poderá utilizá-lo, caberá ao aluno fazê-lo. O aluno poderá decorar o assunto até que sua experiência na vida lhe mostre como poderá utilizá-lo ou até que sua imaginação o faça. Penso que tal não seja muito comum.

Assim, cabe ao psicólogo escolar sensibilizar os professores dos quais é responsável para a importância das aulas práticas, ligadas a realidade ou advindas do cotidiano de seus alunos.

Isso não vai se realizar durante uma palestra proferida pelo psicólogo escolar em uma reunião de coordenação de professores. Ocorrerá enquanto o psicólogo, durante sua ação diária, mostrar aos professores quem são os alunos, como vivem e quais são suas experiências. Se tiver sorte, o psicólogo poderá estar numa escola onde as professoras conhecem profundamente seus alunos e suas famílias. Eu encontro-me numa escola assim. Mas isso não encerra o assunto. Há que se verificar se a adaptação está sendo feita na sala de aula. E o melhor momento para o psicólogo perceber e intervir neste ponto é compartilhando momentos de elaboração de plano de aula com o professor.

domingo, 7 de junho de 2009

Separação por capacidade

Estive afastada da alimentação deste blog por motivo de viagem.

Durante este período, entrei em contato com uma colega de profissão que informou sobre o sistema educacional suíço. Como ela não tem filhos, deu notícias superficiais, mas que já possibilitam alguns pensamentos comparativos em relação ao nosso.

Conversávamos sobre capacidade intelectual diferenciada entre as pessoas. Ela então informou que o sistema educacional suíço trabalha com a seleção de alunos por rendimento escolar. Assim, os alunos que demonstram melhor desempenho ficam juntos em uma turma e tem como futuro o encaminhamento para a academia. Os seguintes ficam em uma segunda turma e podem ir para faculdade ou para cursos técnicos. Os piores (por que não usar esta palavra?) também são agrupados juntos e são preparados para cursos técnicos.

Quem tem mais de trinta anos deve se lembrar de algo parecido com isso aqui no Brasil. As turmas A, B e C dos anos 70 se parecem com este sistema. Mas não sei se havia, naquele tempo, essa correspondência com o futuro dos jovens como há hoje na Suíça.

A ciência psicológica assume que os seres humanos possuem capacidade mental diferenciada. Os programas de altas habilidades que temos aqui em Brasília são prova desta assunção. Os alunos que apresentam capacidade intelectual superior a média, que demonstram facilidade em algum aspecto da ação humana (habilidades) e não têm problemas graves de comportamento entram no programa especial oferecido pela Secretaria de Educação do Distrito Federal, seja ele aluno da rede pública ou privada.

Entretanto, estes alunos seguem estudando nas mesmas turmas onde sua característica de inteligência diferenciada foi detectada. A teoria que baseia esta ação é a de que qualquer diferenciação entre as turmas se apresentaria como discriminação entre os indivíduos. Além disso, todas as pessoas merecem a melhor educação e por isso a separação não faria qualquer sentido. Ao final dos estudos básicos, no nosso sistema dito fundamental, o próprio indivíduo escolheria o que fazer.

Particularmente, vejo sentido em ambas as ações. Porém, o nosso sistema escamoteia uma prática bastante cruel amplamente denunciada por especialistas pedagogos. Aqui a educação é igual para todos, mas a escolha não é dada ao indivíduo, como na Suíça; as oportunidades não são iguais.

As escolas públicas do Distrito Federal recebem alunos das classes mais baixas da nossa sociedade. Seus pais não têm condições de pagar outra escola. A partir da classe média as crianças estudam em escolas particulares.

Minha realidade é a da escola pública e das classes sociais menos favorecidas economicamente. As professoras sobre as quais tenho responsabilidade indicam a falta de motivação de seus alunos além da falta de respeito que sofrem por parte deles. Os alunos que apresentam essas características com mais intensidade são encaminhados para meus cuidados. Percebo que não vêem sentido nas informações que estão recebendo, não sabem como lidar com ela e não percebem a importância da educação em suas vidas. Essa minha conclusão é também bastante antiga, pois já li sobre isso em clássicos da pedagogia.

A maioria esmagadora dos nossos alunos, de escola pública, não prossegue sua educação na academia e muitas vezes não fazem sequer um curso técnico. Penso eu que a escolha já foi feita para eles pelo sistema educacional brasileiro desde seu ingresso, porém tal falta de opção não é explícita. Aí mora a crueldade anteriormente citada.

A educação igual para todos é hipotética e talvez possamos usar a palavra utópica. Em minha escola, as professoras fazem adaptações para seus alunos compreenderem o conteúdo e provavelmente não consigam aprofundá-los como desejariam.

A distância entre a educação e sua realidade é tão grande que os alunos não percebem sua função. Nós, profissionais em educação, expomos ao máximo as razões da obrigatoriedade do ensino e de modo que nossos alunos possam compreendê-las (pensamos nós). Mas, há casos em que o aluno não alcança a idéia que nossa sociedade cultiva sobre a educação. Eu, particularmente, acredito que pela realidade em que vive, nosso aluno não acredita em um futuro tão distante quanto um prazo de mais de quinze anos. Talvez nossos conceitos não façam muito sentido para eles e assim o que dizemos não represente qualquer idéia concretizável. Assim, nosso esforço para motivá-los resulta totalmente vão.

Ora, um indivíduo que não compreende o que o outro diz, por não compartilhar os mesmos conceitos básicos, não poderá aprender com ele antes que haja pontos de partida comuns. Um aluno que não entende os conceitos de triângulo, linha, ponto, ângulo; não poderá aprender trigonomeria.

Assim, o ideal de educação para todos, com educação igual para todos resulta na manutenção da desigualdade social. Há muitos anos, diversos intelectuais da pedagogia denunciam esse alto risco, mas provavelmente, nosso ministério não conseguiu ainda montar uma proposta de educação para um país tão grande, com tanta diversidade, a ponto de abarcar realmente todos democraticamente, atingindo-os.
Talvez seja também cruel da minha parte comparar o sistema educacional de um país tão pequeno quanto a Suíça com o nosso, continental. Mas uma coisa deve ser bem apresentada, e o temos como objetivo aqui neste texto: o indivíduo realmente tem escolha?

Minha amiga afirma que na Suíça, se o aluno se esforçar na turma C, modificará sua classificação e poderá galgar postos até a turma B ou A. Isso também ocorre aqui, quando um aluno de escola pública chega a uma universidade também pública. Coisa tão rara que chega a ser notícia de jornal.


Acrescento o comentário que nossa colega na Suíça fez sobre este texto antes de sua exposição neste blog:
“Uma coisa acho que valia a pena apontar como uma possibilidade. Você sabe, a Suiça é um país muito pequeno, mas tem 26 cantões diferentes e em cada cantão há uma política educacional. Eles tem autonomia.
O Brasil é muito grande e muito centralizador. Acho que deveria haver maior autonomia dos governos de promover suas próprias políticas educacionais e aí quem sabe o sistema se adaptasse melhor as diferenças enormes entre o sul e o norte do país. Alucinar que essas diferenças não existem não ajuda em nada o nosso país.”