quarta-feira, 22 de julho de 2009

O Poder Psicológico

Quando entramos em um ônibus, colocamos nossa vida nas mãos do motorista. A responsabilidade sobre a nossa segurança passa a ser de outra pessoa. O motorista do ônibus passa a ter um poder sobre nós e esse poder é por nós delegada a ele. Nunca encontrei uma pessoa que não se assustasse quando ouve essa idéia. Mas ela não é minha. E é tão verdadeira que está prescrita no Código Brasileiro de Trânsito. Assim, todas as pessoas que dirigem deveriam sabê-lo. Quando damos carona a alguém, passamos também a ter a guarda de sua segurança durante todo o período em que ele está dentro do carro, mesmo que a máquina esteja parada ou estacionada.

Nossa sociedade está cheia de exemplos de delegações de poder e nós, muitas vezes, sequer percebemos. Ao elegermos uma pessoa, mesmo que não votemos nela, estamos outorgando a ela a administração do que é nosso. É ela que, observando a cidade como um todo, decidirá quais são as prioridades e quanto deverá ser investido.

Mas o poder é nosso. Serei mais provocativa e direi meu. Eu tenho o poder de consertar a minha rua ou de decidir se o buraco que a chuva provocou no asfalto é mais importante do que construir uma calçada para ir ao parque, ou não. Eu tenho esse poder. Mas como eu preciso trabalhar todos os dias, quero descansar nos finais de semana e nem imagino como funciona asfalto e cimento, eu entrego a tarefa para outra pessoa.

Falo isso com bastante ênfase porque todos podemos resolver problemas. Trocar uma lâmpada no seu condomínio, por exemplo. Mas há alguém que é o responsável por isso. E se eu vejo a lâmpada queimada, eu vou avisar o síndico. Eu depositei o meu poder de resolver na pessoa do síndico. E quem quer ser síndico de condomínio? Ninguém ou alguém que perdeu o juízo. E para ser síndico não é preciso muito, basta querer e se candidatar na próxima reunião de condomínio. E sendo síndico, eu terei o poder de decisão sobre o meu condomínio, pois os demais condôminos delegaram seu poder a mim. Caberá a mim exercer o meu poder... ou não. Posso ter mil desculpas para não trocar a lâmpada. Ou trocá-la.

Assumir o poder de administrar o que é meu também é uma decisão minha. Porém, não deveria ser assim. Se outras pessoas delegaram o seu poder de resolução de problemas a mim, eu devo assumi-lo e realizar um bom trabalho pelo simples fato de estar num cargo de confiança. O voto é sempre de confiança. Aliás, voto de confiança deve ser pleonasmo vicioso.

Muitos alunos de psicologia angustiam-se ou simplesmente brincam com as expressões receosas de seus amigos quando descobrem o curso que estão fazendo. Psicologia! Demonstram seu medo de falar e agir livremente, pois o psicólogo poderá ler seus pensamentos. Isso permanece após a formatura. Por alguns anos evitei me apresentar como psicóloga devido ao grande impacto que isso causa sobre o interlocutor. No meu ambiente de trabalho, quando sou apresentada durante uma reunião, os olhos da pessoa atendida se abrem um pouco mais como se fosse apresentada a uma bruxa. Sua postura também muda.

O ser psicólogo carrega consigo uma delegação de poder da sociedade. Nossa cultura investe em nós o poder de descobrir o que está oculto, o que as pessoas evitam ver, perceber, sentir. Somos nós que tratamos do que não se pode dizer a ninguém. E nós podemos ouvir porque não diremos a mais ninguém. O Código de Ética do Psicólogo proíbe que o digamos, poderemos ser processados e até deixar de sermos psicólogos se falharmos com o sigilo. Nós podemos ajudar sempre.

Esse é um poder imenso. E foi-nos delegado. Mas não o foi gratuitamente. Recebemos treinamento durante, pelo menos, cinco anos. Cinco anos árduos, os meus foram! Mas cabe a mim usá-lo ou não.

Eu posso dizer aos meus amigos no bar: “imagina, eu não leio a mente de ninguém. Tenho uma colega psicóloga que nem em mente acredita.” Talvez isso faça com que a mesa do bar fique mais descontraída. Eu também posso dizer isso na mesa de trabalho, onde acabei de ser apresentada aos pais de um aluno com comportamento agressivo em sala de aula. Posso dizer: não temam, eu sou uma pessoa normal como vocês e usarei as suas informações e as técnicas que aprendi lendo para auxiliar o processo de aprendizado de seu filho. Pronto. Eu tenho o poder de fazer isso. Tenho o poder de usar o meu poder outorgado ou não.

Mas eu também posso usar o poder que aqueles pais entregaram para mim quando me olharam com mais cuidado ao ser apresentada. Faço isso mostrando a eles que estou atenta e lendo as entrelinhas do que dizem, as expressões faciais e corporais, as ênfases que dão a cada informação através de seu tom de voz, os sentimentos emanados a cada exposição. Buscando informações que não foram dadas ou que foram sugeridas levemente, chegando ao âmago da questão de maneira suave, mas firme.

Eu uso o poder que me outorgaram em benefício deles! O poder é deles e eu devolvo para eles. O resultado é o melhor atendimento que eu posso oferecer. Usando todos os recursos de que disponho, eu percebo mais do que os outros técnicos da escola porque este é o meu papel. Eu devo observar, sentir e perceber mais do que qualquer profissional porque fui treinada para isso, devo me esforçar para fazê-lo e bem feito. É um dever ético funcionar como instrumento para solucionar problemas subjetivos, emocionais, íntimos. Esse é o diferencial do psicólogo na escola e devemos usar o poder que nos foi dado. Se assim é, esse poder é nosso. Não o rejeitemos. Usemos.

O aumento dos olhos como sinal de atenção aguçada e a mudança de postura indicativa de receio são reações típicas de proteção. Essa defesa vai se desfazendo à medida que nos colocamos na posição de auxílio e pesquisa. A afetividade pode ser utilizada neste momento como instrumento para o estabelecimento do rapport. Após quebrada essa primeira barreira, a pessoa geralmente se entrega plenamente facilitando o nosso trabalho. Um contato bem feito no início de entrevista é primordial para seu sucesso final. À vontade, o sujeito possibilita que o nosso atendimento seja profundo e eficaz. Quando o resultado chega, além do benefício para quem atendemos, podemos degustar o manjar de ter realizado um excelente trabalho.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Comunhão Orientação Educacional

A postagem Parcerias para o trabalho em Psicologia Escolar recebeu dura crítica de uma orientadora educacional. Questionava ela que sua especialização não foi sequer mencionada no texto. Devo desculpar-me publicamente. A nossa penúltima postagem – Conhecimentos de Psicologia usados em Psicologia Escolar – já traz um pouco dessa minha retratação à Orientação Educacional.

Iniciarei expondo que quando ingressei na Psicologia Escolar, questionei uma das minhas professoras da graduação sobre o trabalho conjunto entre psicóloga e orientadora educacional. Ela ensinou-me que esta área da pedagogia veio sanar uma falta do profissional psicólogo nas instituições de ensino. Essa resposta me assustou porque haveriam então duas profissionais realizando o mesmo trabalho na escola.

Durante minha experiência com minha nova colega orientadora, fomos observando, eu e ela, que nosso trabalho não era complementar, nem suplementar. Estranho esse comentário? Uma ação somente será complementar ou suplementar ao realizar-se dentro do mesmo domínio. Além disso, e principalmente, o que complementa acrescenta ao elementar. Não se pode dizer que o trabalho de uma ou outra área seja elementar. E o que suplementa acrescenta ao que já está completo, terminado, vai além do necessário e suficiente.

Psicologia escolar e Orientação educacional são áreas paralelas, necessárias ao bom andamento de uma escola. Seus focos são diferenciados e as pessoas atendidas por ambas profissionais obtêm ganhos de cada uma. A psicologia com seu foco subjetivo, emocional alerta-se para questões da sua área no discurso do cliente. Questões de relacionamento, dificuldades próprias da pessoa que são projetadas em familiares, angústias dificilmente resolvidas solitariamente – elementos típicos da psicologia que temos instrumentos para detectar e usar em benefício de nosso interlocutor. A orientação educacional analisa comportamentos equivocados, indica quais mudanças são benéficas para os atores em questão, novas posturas em relação ao problema analisado, leis que beneficiam ou obrigam a mudança de comportamento, instituições auxiliares, profissionais cujo atendimento elevaria as possibilidades de melhor adequação.

Essas duas áreas da ciência são independentes.

Cada profissional trabalha muito bem com as questões da escola. Não há exclusividade de campo, pois os casos dos alunos que não são resolvidos pelas professoras, extrapolam o poder da coordenação ou escapam da direção vão para a nossa responsabilidade – psicólogas escolares e orientadoras educacionais – e de lá não são mais encaminhados, a não ser que haja problemas de saúde efetivamente.

Nós atendemos os mesmos casos de forma diferente.

No dia em que dei a aula citada na penúltima postagem havia uma aluna orientadora educacional. Foi um grande presente! Solicitei-lhe que nos dissesse qual era o seu trabalho: orientação de alunos sobre como otimizar seus estudos (horários, postura física, iluminação, alimentação, sono-vigília, responsabilidade); orientação de alunos sobre sexualidade, drogadição, valores sociais em grupo ou individualmente; orientação a pais também em grupo ou individualmente; participação nas reuniões de pais e de professores, coordenações pedagógicas; encaminhamento de casos de alunos para profissionais extra-escolares. Tudo isso verificando as necessidades de cada caso individualmente. A aluna-profissional, cujo nome infelizmente me escapa, acrescentou que na orientação há limites claros de ação, pois aprofundamentos emocionais são da área da psicologia.

Afirmei anteriormente que realizaria entrevistas com minhas colegas orientadoras educacionais e tive uma excelente oportunidade de fazê-lo durante um chá da tarde com três profissionais de alto gabarito. Após anunciar meu objetivo de entrevistá-las sobre as características de sua profissão, a mais próxima emocionalmente de mim olhou-me profundamente e disse: “espero que eu já tenha lhe mostrado isso. Escreva, pois você já sabe”. Fiquei com vergonha e aqui estou eu. Devo informar ainda que este texto passará pelo seu crivo antes da publicação, para colher a crítica no momento correto.

Há ainda um elemento que não explorei o suficiente: um atendimento conjunto de psicologia e orientação educacional em geral se faz com bastante compatibilidade. Nós da psicologia temos certa rigidez em relação ao momento (time) de realizar uma intervenção. Minhas colegas orientadoras educacionais sempre me deixaram a vontade para paralisar uma entrevista e aprofundar em determinada fala ou expressão oral, facial ou postural. Também é possível recuperar o momento rememorando as falas e explorando-as logo que o discurso ou a direção da entrevista possibilitem. Para isso utilizo técnicas de entrevista e de aconselhamento psicológico. Acrescento ainda que a psicologia escolar não é um espaço clínico, mesmo utilizando-se de seus instrumentos, e isso oferece liberdade de ação para nossos objetivos e para as necessidades do indivíduo em atendimento.

O que espera a escola

A expectativa de trabalho por parte das escolas em relação ao psicólogo escolar é clínico. Alunos que demonstrem comportamento diferenciado dos demais em movimentação, comunicação, agressividade são os principais encaminhados para nós. Podemos fazer muitíssimo mais do que esperam que façamos. Isso é uma vantagem e uma desvantagem a um só tempo.

A desvantagem se faz quando o profissional não dimensiona seu real potencial e ajusta-se a demanda apresentada. Mantém-se no atendimento clínico e aguarda que o chamem ou encaminhem os alunos para si. Esta restrição de ação é altamente criticada pelas colegas acadêmicas que têm escrito sobre a nossa área. Elas têm toda razão. E eu só poderia concordar com elas, pois que me formaram e continuam formando, são elas que escrevem o que leio para me orientar sobre o meu trabalho. Sim, elas têm razão, mas nem desconfiam como é mais seguro permanecer em nosso escritório dentro da escola. É melhor até do que clinicar independente porque não há preocupação com a “conquista” de clientes.

A principal desvantagem é para a classe de profissionais psicólogos porque a sociedade não conhece as ações de um psicólogo escolar e sem que lhe seja apresentada, não saberá. Sem saber, não usa, não valoriza, não emprega. E a área cresce lentamente, vagarosamente, tendo cada psicólogo individualmente que provar que seu trabalho é necessário e importante para o melhor desenvolvimento dos alunos.

A vantagem é que quando mostramos do que nossa ciência nos capacita somos chamados a participar em muitos eventos da vida escolar. Apesar de não sermos vanguarda na psicologia, o somos na escola, que espera muito do psicólogo escolar, mas nem imagina o que pode esperar.

A grande ansiedade da escola é por resultados rápidos. Ela quer que consertemos os alunos. Essa expressão é minha, pessoal. Mas não pensem que querem se livrar das crianças ou do problema em si (consertei, taí o anjinho!). Elas se preocupam e querem que o aluno se desenvolva da melhor maneira possível. O tempo delas é diferente do nosso. Nós aprendemos a trabalhar em pro-ces-so. Leva t-e-m-p-o. Às vezes, nossas soluções demoram muito para elas e são bem ligeiras para nós.

Contarei um caso para mostrar a questão do tempo:
Uma professora, muito preocupada com o bem-estar de seus alunos, solicitou-me atendimento para uma aluna adolescente ao final de uma reunião de rotina. Relatou os comportamentos preocupantes e eu anotei o nome da aluna, série e turma. Como as nossas reuniões ocorriam às quartas-feiras e quinta e sexta era folga das professoras, somente na semana seguinte tive contato com a professora novamente para me assegurar do caso. A aluna demonstrava comportamento completamente diverso do esperado para ambiente de aula, permitia que os colegas tocassem seu corpo e aproximava-se deles provocativamente, dirigia-se a eles de forma inadequada dentro e fora da classe e não demonstrava qualquer motivação pelas aulas. A professora em questão era das poucas unanimidades inteligentes do planeta: todos a adoravam, admiravam e respeitavam. Então a informação final foi bastante surpreendente. Busquei informações com outras professoras que confirmaram. Na terça-feira, fui ver a aluna em sala de aula e ela não estava. No dia seguinte, ausente. Liguei para os pais. O padrasto me informou que a família precisava de auxílio, pois não sabia o que fazer com a garota. Ela estava saindo e chegando embriagada em casa. A mãe decidira mandá-la para a casa do pai. Fiquei assombrada pela situação e pela percepção da professora. Marcamos reunião com a mãe para o dia seguinte. Bastante angustiada, a mãe demonstrou sua emoção rapidamente. Contou suas dificuldades para criar os filhos e que estratégias havia usado para resgatar sua filha. Alguns percalços já aconteceram e as soluções que proporíamos já haviam sido aplicadas sem sucesso. A mãe, então, como última idéia, mandou a filha para a casa do pai para que essa percebesse a diferença de tratamento e conforto entre as casas e pessoas, a partir daí valorizasse a mãe e se enquadrasse nas regras da casa materna. Bem pensado, se não fosse o risco aumentado na casa paterna: vizinhança altamente violenta, tráfico de drogas e, pior, possibilidade de sedução do próprio pai. Alertada para os riscos, a mãe se mostrava sem saída. E eu... que situação! Informei à mãe que a aluna deveria comparecer às aulas pois estavam em período de provas e as crianças devem freqüentar escola por força legal. No dia seguinte, a aluna se fez presente na sala de aula e também na minha sala. Minha surpresa foi imediata, pois quando comecei a estabelecer o rapport, a aluna emocionou-se igualmente à sua mãe. Seu discurso apontava para a barreira de comunicação familiar. Eu então compreendi o que faltava: afeto, atenção, carinho físico e emocional, reconhecimento, partilha. Percebi a grande amizade que havia entre mãe e filha e como elas sentiam falta uma da outra, devido a uma suspensão dos laços de amizade. Mas já era sexta-feira! Liguei para a mãe e ela não atendeu. Liguei de novo mais tarde, eu estava com pressa e a memória, sobrecarregada, a escola era grande. Consegui marcar uma conversa tripla para segunda-feira. A mãe foi pontual e eu busquei a aluna na sala. Ordenei que se cumprimentassem como se eu fosse um general. Deveria ter cronometrado. Também precisamos de muitos lenços de papel. Esclareci qual era o problema entre as duas e dei-lhes oportunidade de falar de modo que pudessem se ver e repetir aquele momento em casa sempre. Também “ordenei” que se cumprimentassem sempre que se vissem – boa técnica para trocas físicas necessárias na adolescência quando se perde o colo infantil. Quando a aluna saiu, questionei sobre o casamento e mostrei erros comuns que destroem relações muito saudáveis. A mãe foi embora bastante aliviada, tendo afirmado que a filha já havia mudado em casa, para minha sincera surpresa. Após cada contato com mãe ou filha, eu informava à professora. Na quinta-feira, a referida profissional me procurou. A aluna era outra: atenta, disposta, respeitosa. Para minha sincera surpresa: nunca havia tido um resultado tão rápido. Duas semanas!

Foi um tempo adequado para a escola.

sábado, 18 de julho de 2009

Conhecimentos de Psicologia usados em Psicologia Escolar

Fui convidada a dar uma palestra sobre minha atividade profissional outro dia e não planejei a aula, o que se mostrou uma ótima estratégia. Os alunos me mostraram coisas que eu precisava saber que sabia.
Quais são os conhecimentos de psicologia usados pelo psicólogo escolar; quais são as ações típicas do psicólogo escolar; diferença de atuação entre orientador educacional e psicólogo escolar; angústias da profissão; ansiedades da equipe escolar em relação ao nosso trabalho.
Todas estas questões são interessantes para desenvolver aqui neste espaço. É bom acrescentar que pretendo fazer umas entrevistas com orientadoras educacionais para fundamentar o texto referente a elas.
Começarei, então, pelo primeiro tópico: quais os conhecimentos da ciência psicológica usados na prática de psicologia escolar.

Muitas vezes, durante o curso de graduação não compreendemos o alcance dos conhecimentos aprendidos em cada matéria; mesmo sendo estes bem mais ligados a prática profissional do que os conhecimentos estudados no segundo grau. A minha idéia foi, então, motivar os alunos para suas matérias básicas.

Psicologia da aprendizagem: como cada teórico apresenta a forma que os humanos e não humanos aprendem; diferenças entre as espécies; o papel dos estímulos; momentos mais propícios para se apresentar um novo conceito. Esse conjunto de teorias pode ser utilizado em clínica, empresas, escolas. No nosso ambiente em especial, além das diferentes abordagens teóricas, ainda considero as diferenças interindividuais. Tolstoi, melhorando um antigo dito popular, afirmou em seu clássico Anna Karenina “se é verdade que cada cabeça uma sentença, há de haver tantas maneiras de amar quantos os corações.” Seguindo este raciocínio, há muitas formas de aprender algo. E as professoras já descobriram isso há bastante tempo também. Existem casos em que a profissional de sala de aula não percebe de que forma pode apresentar um assunto a determinado aluno e neste momento o psicólogo escolar pode lhe ser bastante útil. Alguns momentos com a criança, particularmente ou na sala de aula, permitem ao psicólogo uma análise de como as informações chegam mais facilmente ao processamento daquele indivíduo. O resultado desse contato deve ser repassado para a professora o mais rápido possível com linguagem acessível e adaptada.
Aqui devemos reter-nos um instante para salientarmos a opção que o psicólogo faz por uma teoria orientadora. As teorias psicogenéticas são básicas para a psicologia da aprendizagem. Porém elas são excludentes. Piaget afirma que a aprendizagem ocorre após o desenvolvimento psicobiológico. Vygotsky propõe que a aprendizagem provoca o desenvolvimento psicológico. Skynner indica que aprendizagem e desenvolvimento são focos distintos para o mesmo fenômeno. É comum, ao conversarmos com uma professora, observar que ela usa instrumentos dessas três teorias simultaneamente de forma muito tranqüila. Acredito ser desnecessário e contraproducente mostrar tais equívocos às professoras. Mas tal ação é aqui censurada e combatida, pois as possibilidades de engano nesta área não são perdoáveis, posto nossa esperada especialidade no assunto. As ações do psicólogo devem ser coerentes com a teoria que escolheu para orientar-se e quanto mais seriamente considerar isso, melhores resultados obterá o profissional. As teorias que utilizamos se apresentam em nosso discurso oral, relatórios, explicações de comportamento e aprendizagem, orientações a profissionais e pais, contato direto com o aluno. Teorias embasam ação (prática). Não é possível pensar uma coisa diferente para cada ação. Não há coerência nesta conduta e os profissionais que acompanham nosso trabalho percebem rapidamente esse problema. A confiança em nosso trabalho pode ser impactada por essa ação. E a falta de confiança em um psicólogo tem impacto sobre toda a nossa classe profissional.

Psicologia organizacional: quando participamos de uma escola, podemos auxiliar o corpo diretor da instituição em relação à administração (vide Parcerias para o trabalho em Psicologia Escolar, neste blog). Conhecimentos de comunicação, relações humanas, ergonomia, planejamento espacial (psicologia ambiental) são muito úteis apesar de inesperados. Como o perfil do psicólogo escolar não é conhecido dos demais profissionais da escola, nosso potencial auxílio institucional deve ser oferecido aos líderes/dirigentes.

Psicologia de grupo e dinâmica de grupo: conhecimento muito útil para se perceber a dinâmica institucional. Quem são os líderes positivos e negativos, quais são os elementos chave que podem ser considerados ao se implantar novos projetos, quem compreende a dinâmica da escola, quem conhece a história da escola e, o mais importante, quais são as formas de auxiliar a instituição considerando seus próprios membros. O trabalho pode ser desenvolvido com o grupo de professores, direção, alunos, profissionais de manutenção e limpeza, merendeiros, pais, famílias ou ainda todos os profissionais da escola em conjunto.

Psicologia comunitária: análise de elementos valorizados pela comunidade atendida, pontos críticos e potencial humano não desenvolvido são conhecimentos desta área que também embasam o trabalho do psicólogo escolar e podem auxiliar em suas intervenções com a família.

Psicologia clínica: como dito em postagem anterior (Acolher o problema), o treinamento em clínica instrumentaliza o psicólogo com a sua principal ferramenta, a que eu acredito ser o diferencial mais significativo entre os demais profissionais: a escuta clínica. A ligação de elementos do discurso do sujeito com sua demanda possibilita soluções não antevistas por ele. O acolhimento, a aceitação incondicional ao sujeito, a postura de confiabilidade que aprendemos na clínica são fundamentais para nossa caracterização profissional. E estes são elementos que podem ser usados na escola para iniciar um atendimento.

Aconselhamento psicológico: neste ponto temos nossa interseção com a orientação educacional da qual falaremos mais pormenorizadamente em próxima postagem. Por ora podemos dizer que em aconselhamento aprendemos a devolver, em poucas sessões, alternativas de ação para um sujeito que se mostra perdido individualmente. Esta ação se aproxima da orientação devido a sua posição diretiva e assertiva que convida o sujeito em atendimento a movimentar-se, caso esteja paralisado; dirigir-se, caso não saiba que posição tomar; acalmar-se, caso mostre agitação alienante, por exemplo. Estas ferramentas são muito utilizadas para o atendimento de pais.

Psicologia do desenvolvimento: a forma como os seres humanos se desenvolvem é o objetivo desta seção da psicologia. E o objetivo maior da escola é o desenvolvimento do ser humano integralmente. Todas as ações da escola se dirigem para o maior crescimento de seus alunos. Ela se esforça para que os empecilhos sejam minimizados. Nesse ponto se encontram novamente todos os atores da escola: alunos, pais, profissionais. Há cerca de 50 anos, a psicologia vem [lentamente] se atentando para a continuidade do desenvolvimento para além da adolescência. Apesar do foco principal do psicólogo escolar ser os alunos e seu melhor desempenho global (biológico, familiar, emocional, relacional, intelectual, e.g.), temos uma excelente oportunidade de exercer nossas técnicas para o melhor desenvolvimento dos adultos e idosos envolvidos com as crianças atendidas. Assim, possibilitamos o crescimento de toda a comunidade escolar sob a luz de conhecimentos técnico-científicos eficazes. O corpo teórico da perspectiva do ciclo de vida apresenta-se como potencialmente útil para este embasamento. Não podemos deixar de apontar, entretanto, as brilhantes contribuições dos teóricos já citados Vygotsky, Piaget, Skinner e de outros como Freud, Wallon, Jung, Erickson, Roger, Reich.

Quais instrumentos usar, como e em que medida serão determinados pela personalidade do psicólogo, pelas características da instituição a qual serve, pelas oportunidades e conhecimento dos instrumentos que possui. Por isso, neste blog sempre me remeto aos estudantes (futuros colegas), para que percebam que durante o curso de graduação estamos nos preparando e ainda não sabemos para quê. Digo isso com segurança porque há uma latência de cinco anos entre o que se aprende e sua aplicação eficaz e nossa sociedade tem mudado bastante ultimamente.

Encerro afirmando que estas são áreas que foram debatidas durante a palestra. Há seções da psicologia que provavelmente auxiliariam o trabalho do psicólogo escolar, porém me escapam da memória ou são deficientes em minha formação (como psicologia da motivação, da criatividade e comunitária).