sábado, 15 de agosto de 2009

Outros tipos de família

A última postagem, Famílias Desestruturadas, abriu espaço para refletirmos sobre outros tipos de famílias e envolvimentos afetivos diferentes dos esperados. Trataremos aqui das famílias que têm se apresentado e que nos cobram respeito e aceitação devido às dificuldades que enfrentam por serem, ainda, consideradas anormais.

Casais homossexuais, mulheres solteiras, homens separados, avós, tios, patrões, abrigos são exemplos de famílias. Não sou especialista no assunto, exponho aqui o que se apresenta nas escolas em que trabalho e trabalhei.

Não foi a revolução sexual que nos brindou com este buquê de possibilidades. As diferentes orientações sexuais e a morte são fonte delas.

Quanto à homossexualidade, à qual trataremos com devida atenção em próxima postagem, o alcance de fundar um lar com outra pessoa de mesmo sexo exige tanto de um indivíduo, que muitas vezes esse lar tem mais equilíbrio emocional que o formado por um casal heterossexual. Ou, na pior das hipóteses, terá tantos conflitos quanto os tem o hegemônico.

Mães solteiras são frutos de diversas origens: imaturidade feminina (por não identificar o pai dentre diversos parceiros, não se prevenir adequadamente, não exigir prevenção do parceiro e/ou por usar a maternidade como um modo de envolver o outro); imaturidade masculina (por não assumir o fruto de um momento irrefletido, não se prevenir adequadamente de uma gravidez indesejada ou por fugir a um compromisso amoroso); desejo feminino em ser mãe sem um parceiro para competir pela criança ou que seja um companheiro no sentido mais amplo da palavra. Hoje vistas com mais tranqüilidade, mas ainda carregando bastante preconceitos como irresponsabilidade e inconseqüência feminina. Nesse grupo enquadramos também as mães sozinhas. Apesar de haver as figuras masculinas por algum período, viúvas ou separadas enfrentam dificuldades cotidianas semelhantes às mães solteiras. Sobrecarga de trabalho no lar e isolamento para tomar decisões. Para este último caso, algumas mulheres separadas apresentam graus diferenciados de participação dos pais, havendo casos de aumento de problemas.

Pais sozinhos – homens separados ou viúvos (ainda não observei homens solteiros com filhos): não se equivalem às mães devido à grande admiração que causam por assumirem inteiramente os filhos. Como há naturalização da assunção feminina dos filhos no caso de separação do casal, quando o homem o faz passa a ser tratado com grande reverência e surpresa. Em geral, a comunidade escolar, incluindo outras famílias, observa os acontecimentos deste lar com maior atenção devido à crença no improvável sucesso dos homens na educação dos filhos. Nossa cultura colocou a educação das crianças nas mãos das mulheres e qualquer desvio nessa norma é vista com desconfiança. Os pais têm demonstrado muita sapiência, controle e afetividade assim como sempre fizeram as mães.

Irmãos: no caso de pais que morrem antes dos filhos chegarem à fase adulta ou têm impedimentos judiciais, os irmãos mais velhos cuidam dos mais novos. Na maioria das vezes, o ente mais velho assume a família totalmente e desempenha todas as funções como pai/mãe. Há casos em que as crianças chamam os irmãos de mãe ou pai.

Avós com ou sem a presença de um dos pais em casa: cada vez mais comum, este tipo de família tem crescido principalmente devido a forma de educação dada à primeira geração. A falta de responsabilidade com a própria vida inviabiliza a assunção de uma nova vida – a do(s) filho(s). Há casos de pai/mãe que tem filho(s) de vários parceiros, de apenas um, de ex-marido/esposa. Em todos estes exemplares são os avós quem criam a geração mais nova e ocorrem, algumas vezes, crises sobre quais são as regras preponderantes, as dos pais ou dos avós. Essas crises podem chegar à escola e, em geral, nós, psicólogos, somos chamados para mediar os conflitos familiares.

Tios: pais falecidos, com envolvimento com justiça ou drogas geram demanda de auxílio para seus parentes que assumem sua prole. Além dos avós, entram também em ação os tios. Há casos de proximidade com escolas consideradas de melhor qualidade em que as crianças ficam os dias da semana na casa dos parentes.

Patrões do(s) pai(s): nossa histórica estrutura social colonial chega aos dias de hoje com as moradias compartilhadas entre patrões e empregados. Em bairros nobres, com grandes casas, os empregados convivem 24 horas, 7 dias por semana com seus empregadores. Isso também ocorre nas famílias de classe média, quando a empregada doméstica tem um ou dois filhos e mora no trabalho. Alguns patrões se afeiçoam excessivamente ao descendente do subordinado e o tratam como seus filhos. Há casos de crianças que chamam os donos da casa de pais e tratam a mãe pelo nome. Na escola, essas crianças competem com os demais se auto-afirmando por terem piscina, sauna, churrasqueira dentro de casa. As confusões de identidade são tão perigosas que podem chegar à negação da real condição social e genética.

Abrigos: aqui está algo difícil de explicar e de vivenciar. Há uma tendência mundial em transformar abrigos infantis em casas-lares. Os cuidadores, geralmente mulheres, são considerados mães-sociais e devem desempenhar o papel de mãe. Mas, como bem alertou uma colega minha de trabalho, mãe não tira folga. E eu acrescento que mãe às vezes dá um tapa quando os limites são ultrapassados, o que é vetado às mães-sociais terminantemente. As mal-criações são as mesmas e, talvez devido ao veto, até piores. As angústias entre permanecer em tal emprego e sair são imensas. Ocorre envolvimento emocional profundo: algumas crianças consideram a profissional mãe e a genitora apenas uma pessoa conhecida, no máximo uma parenta. A mãe-social também sofre com as possibilidades de alteração de função/papel por parte dela mesma e da criança.

Até atingir a necessidade de abrigamento, uma criança passa por muita dificuldade. Assim, elas são nossas clientes preferenciais, pois carregam um conjunto de traumas advindos de espancamentos, assédios sexual e moral, envolvimento com drogas, comércio (trabalho em sinais de trânsito ou com tráfico de drogas), situação de rua (meninos de rua ou moradores de rua com os pais). Em cada casa-lar há pelo menos oito crianças, já presenciei uma com quinze. Por lei, os irmãos não são separados. Cada caso tem suas idiossincrasias, seus distúrbios, seus comprometimentos. As trocas de experiências são inevitáveis, podem ocorrer trocas de vícios comportamentais e químicos. É possível ocorrer abuso sexual dentro da própria casa, principalmente se o atual abusador tiver sido abusado e não tiver recebido atendimento adequado.

Casais sem filhos: este tipo de família tem sido encontrado com cada vez mais facilidade e, penso eu, que isso se justifica pela valorização da liberdade do casal. A energia dispensada com as responsabilidades que uma criança exige é direcionada para todas as outras atividades que um adulto pode desenvolver. Não vejo nesta questão um exemplo de egoísmo, muito pelo contrário. Deve-se ter muito cuidado ao decidir pela descendência. É necessário muito desprendimento para se criar bem outro ser humano. Essas pessoas que decidem não ter herdeiros optaram responsavelmente por si mesmas. Se elas estão perdendo ou ganhando, não cabe a ninguém julgá-las.

É provável que eu tenha falhado em expor algum tipo de família por pouca memória ou vivência. Para este tipo de lacuna disponibilizamos o espaço para comentários logo abaixo desta postagem. Por favor, fique a vontade, clique sobre a palavra e sinta-se livre para expressar-se.

Todos esses tipos de família ainda estão sujeitas a nova estrutura familiar brasileira anteriormente descrita/proposta em Famílias Desestruturadas. Em todas estas formas de famílias, não vemos a Dó-re-mi “desejada”. Os representantes nas reuniões de pais são os mais diversos e as escolas os aceitam porque é cada vez menor a freqüência de adultos nas reuniões. As instituições de ensino precisam de contato com os responsáveis e quando ele acontece, todo o corpo profissional festeja.