sábado, 27 de novembro de 2010

Jogos de computador e desenvolvimento cognitivo

Jogos são simuladores de situações que nos proporcionam vivenciar aspectos da realidade e de nossa personalidade sem riscos para nossa integridade física, psíquica ou emocional. Muitas vezes os limites entre realidade e simulação são desrespeitados pelos jogadores. Isto, entretanto, não invalida a função e os benefícios que os jogos nos oferecem.

Utilizo jogos com meus alunos e alunas para avaliá-los/as e para trabalhar suas fragilidades. Durante as partidas, as crianças agem livremente e se sentem seguras. Nossas intervenções facilitam esta sensação. Quando o rapport está estabelecido é possível mostrar-lhe que comportamentos podem estar influenciando o baixo rendimento escolar, a falta de atenção, os problemas de comportamento, alguns problemas de fala, entre outras questões. Estes sintomas são os mais frequentes que enfrentamos.

As possibilidades de erros, as negociações de regras, as situações imprevistas, as quebras de acordos, os logros, as fraudes que uma partida proporciona ocorrem apenas em uma mesa real. Elas fazem com que as crianças exponham como agem. É no momento em que se detecta uma ação problemática que alertamos a criança, conscientizando-a do que realmente ocorre. A partir deste momento pode acontecer a mudança de comportamento.

Muitas vezes, os pais, irmãos, primos, amigos de uma criança corrigem suas atitudes e conceitos errôneos durante partidas de jogos ou fora deles. A ação terapêutica, no entanto, está ligada a nossa atuação profissional, e pode ser utilizada como instrumento na clínica.

Muito do desenvolvimento cognitivo que os leigos percebem estar ligado aos jogos advém desta possibilidade que os jogos trazem. Mas ela está mais ligadas às relações sociais, suas funções e impactos do que dos jogos em si.

A prática de jogar no computador reduz muito a riqueza que estes simuladores propiciam por cortar as possibilidades de erros, negociações, dilação de tempo e as já citadas. A substituição da atuação no mundo (subir em árvores, pular corda e amarelinha, pique-pega) pelo uso de computadores, internet e playstation é condenável exatamente devido a restrição de convivência social que impõem. Há desenvolvimento sim, mas é restrito, limitado, proporciona indivíduos ensimesmados, autocentrados, que se satisfazem com suas relações homem-máquina. Solidão, individualismo, intolerância.

No computador, não é possível errar, lograr, negociar, refazer as regras. Tudo é rígido é pré-estabelecido. Não há criatividade, espontaneidade, cooperação, tolerância, amizade, companheirismo. Esses valores não são valorizados nos jogos de máquinas mesmo se há outras pessoas operando, como na internet.

Os jogos eletrônicos são úteis, seguros, educativos. Mas estão longe de ser substitutos da vida saudável das ruas e das mesas que, com seus perigos, nos ensinam os riscos reais que a vida com os outros nos trazem. Estes últimos nos ensinam a como lidar com as pessoas, o que e quem devemos evitar e/ou aceitar.

domingo, 7 de novembro de 2010

Dez mil acessos

Quando este blog completou 1.000 acessos, fiz questão de marcar a data com um pequenino texto. Neste eu agradecia às pessoas que me reforçavam em minha tarefa de registrar minha produção intelectual. De lá para cá, todos os milhares foram comemorados com uma postagem entitulada com o devido número. Este novo milhar é bastante significativo para mim, assim como o foi o primeiro.

A escrita é, para mim, uma necessidade. Principalmente, em minha atividade laboral, preciso escrever porque não disponho de colegas psicólogas escolares tão próximas ao ponto de discutir as idéias que me vão surgindo. Meus amigos mais próximos estão sempre ouvindo estas minhas idéias, minhas angústias, meus limites, as barreiras que a psicologia nos impõe, as dificuldades que a instituição em que atuo me apresenta.

Por perceber a solidão típica da psicologia, meu amigo Jorge Pimentel me sugeriu escrever um livro. Minha colega de faculdade e amiga, Ana Karina de-Farias, escritora de vários títulos em Psicologia Comportamental, indicou-me a importância de profissionais práticos como eu teorizar sobre suas áreas de atuação. Disponibilizou-se para escrevermos juntas um livro sobre Psicologia Escolar. Anos depois da primeira sugestão, o mesmo Jorge mostrou-me como seria fácil iniciar um livro com um blog.

Pois aqui estamos, após um ano e meio da criação deste blog, atingindo 10.000 acessos.

Minha frequencia de postagens caiu um pouco, mas tenho motivos laborais que explicam isto. Temos escrito muitos relatórios sobre nossos pequenos clientes, seus pais e professores. Isto esvazia um pouco a elaboração intelectual teórica. A intensidade de trabalho prossegue. A quantidade de livros lidos como apoio à prática da psicologia tem aumentado conforme vocês podem conferir na postagem homônima. A novidade que trago agora é que este blog se transformará em livro, conforme a sugestão dos meus amigos queridos já citados.

Meus agradecimentos não são palavras vazias. Agradeço imensamente às pessoas que participaram da elaboração deste blog em todas as suas fases:
Jorge Pimentel,
Nilvania Faria,
Cleide Souza,
Carlos Adamuz,
Lana Vieira,
Veida Capone,
Cristina Ramos,
Ana Karina de-Farias,
Valentina Fonseca,
Alessandra Sousa,
meus alunos e minhas alunas, professoras que atendi, pais provocadores, leitores/as, ex-alunos.

Conforme prometido ao Carlos, a festa de comemoração acontecerá na terça-feira, às 19 horas, no velho e bom Acarajé da Rosa da Asa Norte. Todos estão convidados, exceto os listados acima que são convocados.


Obrigada!

Vicenza Capone

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Ainda sobre o autismo

Os transtornos globais do desenvolvimento (autismo, síndrome de Asperger, síndrome de Rett, síndrome de Klinefelter) se mostram de modos diferentes em cada indivíduo. Ultimamente, o número de casos diagnosticados tem aumentado muito, possibilitando o pensamento de que há uma "epidemia". Na verdade, os especialistas apontam para uma maior sensibilidade por parte dos profissionais para identificar o transtorno. Porém, ainda há despreparo para identificar os sintomas por parte da maioria dos profissionais.

Ouço de mães e pais a dificuldade em encontrar um diagnóstico para seus filhos/as. Há muitas nuances relacionadas a este problema em particular. Um deles é o desconhecimento dos sinais que indicam problemas na criança por parte de profissionais da saúde. Há estudos que apontam indícios já na primeira infância. O Instrumento de Vigilância Precoce do Autismo: manual e vídeo de C. Lampreia e M.M.R. Lima, já resenhado aqui, apresenta os comportamentos que crianças exibem e que estão ausentes em indivíduos autistas. Infelizmente, não é sempre que encontramos pediatras interessados em transtornos deste gênero. Além disso, os sinais são sutis e podem ser percebidos como temporários.

Outra ordem de questões se relaciona a aceitação do problema. Há famílias que ignoram o diagnóstico. Não percebem comportamentos estranhos, anti-sociais, descontextualizados em seus pequenos. Justificam-nos frente aos questionamentos de amigos e parentes próximos. Lidam com os sinais autísticos como se fossem normais. De fato o são em seu filho, mas não são esperados ou aceitos socialmente. Esta ação dos genitores é justificada pela recusa em ver o filho ou a filha com anormalidades. Ou ainda, recusam-se a admitir um problema.

Há relatos de que bebês autistas são muito quietos. Os pais dos alunos que diagnostiquei apontam para pouco choro e boa adaptação na primeira fase da vida. Na verdade, os sinais podem ser interpretados como baixo envolvimento social, já que o choro é uma forma de comunicação e a peraltice, uma busca de conhecimento sobre o mundo. Além disso, o apego à rotina típico nas pessoas que apresentam transtornos globais do desenvolvimento (TGD) reduz o efeito devastador do problema quando respeitada pelos demais. Os pais também se acostumam com a rotina e a aceitam. Essa "tranquilidade" aumenta o tempo para se chegar a um tratamento adequado. Quanto mais cedo há um diagnóstico, mais rapidamente pode-se ter efeitos benéficos observáveis.

A universalização da educação, com obrigatoriedade de frequencia institucional, possibilita que as crianças entrem em contato com profissionais com outra formação, além da médica. Esta possibilidade permite que o estranhamento se concretize e se fortaleça, principalmente porque as/os educadoras/es comparam os comportamentos de seus alunos/as. Além disso, no caso do rendimento escolar não ser compatível com a turma, é obrigação das/dos docentes indicarem isto aos pais e a outras instâncias educacionais. Muitas vezes é este o momento em que o diagnóstico acontece.
Aqui exponho nossa responsabilidade enquanto psicóloga/os escolares. Precisamos ter noções de psicopatologia para identificarmos sinais autísticos e também devemos saber como anunciar a nossa suspeita de um diagnóstico tão difícil.

Os TGD não são considerados doenças e não há cura. A sociedade tem essa idéia de autismo. E ouvir que um filho pode ter esse diagnóstico não é nada fácil. Várias fantasias caem por terra. Os sonhos não são mais possíveis. As ambições com a criança devem ser reconstruídas. A simples suspeita de que a/o filha/o tem TGD pode levar a depressão, sensações de incompetência, pensamentos suicidas. Temos observado famílias se desintegrarem, casamentos serem desfeitos e afastamento paternos por dificuldades em aceitar ou se imaginar como genitor de uma criança com TGD.

A psicologia trata estas reações como o luto do filho saudável. Uma mãe me procurou, certa vez, e perguntou se esse luto tem prazo. Que tristeza! Não, não há. Não consigo imaginar como seria perder a minha mãe. Penso que choraria pelo resto da vida, sempre que me lembrasse dela depois que isso acontecesse. Talvez algumas pessoas sintam isto em relação a seus filhos/as com TGD. Elas não devem ser julgadas por se sentirem assim. Mais uma vez devemos ser empáticos/as, nos aproximarmos o máximo possível e acolhê-las em sua dor, em seu luto. A dor e o luto não são mensuráveis e não têm tempo. Faz parte do acolhimento dizer isto aos pais e às mães. Informar que eles podem chorar sempre por sua criança não ser como as demais, por não ter problemas que a maioria tem, que seu desenvolvimento acontece, mas de forma diferente. Eles não devem sentir culpa por ter estes sentimentos. Este acolhimento e posterior aceitação da emoção negativa possibilita um fortalecimento do/a cuidador/a da criança.

É extremamente importante observar cuidados ao se comunicar a suspeita e a definição do diagnóstico. Neste momento, é imperioso prever a dor dos genitores e acolhê-la. Não há como evitar tal emoção. Permitir que ela venha a tona e que possa ser experimentada é função nossa. A psicologia nos treinou para reduzirmos o impacto negativo da notícia. Temos obrigação de atuar neste sentido.

Estou sendo muito firme nesta proposição, porque já ouvi relatos de traumas advindos de diagnósticos apresentados de chofre. Muitos médicos não são treinados para oferecer este tipo de informação com delicadeza. E nós, psicólogos e psicólogas, não podemos nos furtar do nosso papel de facilitadores de emoções difíceis.

Nosso principal apoio são as possibilidades que se abrem após a nomeação da síndrome. As melhorias no processo de adaptação dos pequenos. As possibilidades de tratamentos com bons resultados. Quanto mais cedo for identificado o transtorno, melhor para o desenvolvimento do indivíduo. E os resultados positivos facilitam o enfrentamento por parte da família.

Como fiz anteriormente, indico o sítio do Movimento Orgulho Autista do Brasil (MOAB) e informo que há reuniões promovidas pelo MOAB entituladas Desabafo Autista. Nessas ocasiões, são convidadas todas as pessoas que, de alguma forma, estão envolvidas com o tema. Assim, mães, pais, psicólogos, professoras, diretores de escolas, orientadoras educacionais, terapeutas, autistas têm espaço para falar o que e como quiserem sobre sua vivência com pessoas com TGD. Essas reuniões são sempre emocionantes e esclarecedoras. Mostram-nos como é importante a possibilidade de auto-exposição quando nos encontramos em um lugar tão difícil tal qual o de cuidador de uma pessoa com TGD. Em Brasília, esses encontros acontecem uma vez por mês, preferencialmente nos terceiros sábados do mês. Indicarei a programação em breve.

Indico para leitura outra postagem deste mesmo blog:
http://atuarpsicologiaescolar.blogspot.com/2010/08/sobre-o-autismo.html
Neste endereço encontrarão o endereço do Movimento Orgulho Autista Brasil e links para o filme After Thomas: um amigo inesperado.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

9000

Mais uma vez, marcando a data de chegada a mais um milhar, escrevo agradecendo à/aos visitadore/as, amigo/as e frequentadore/as.

Um amigo me parabenizou no domingo por já contarmos com 8900 e poucos acessos. Com a correria do trabalho, somente hoje pude acessar o blog para verificar a marca.

Como sempre, deixo claro a minha alegria em perceber que há pessoas interessadas em Psicologia Escolar. Mais do que isto, há interesse em ler produções sobre a aplicação da ciência psicológica na escola, mesmo que os textos não sejam cientificamente tratados.

Espero prosseguir contribuindo com estudantes de psicologia, profissionais da área e acadêmicos que buscam novidades ou aplicação prática para as teorias psicológicas.

Informo ainda sobre a minha disponibilidade para discussões, críticas e sugestões de temas.

Aos amigos que sempre são citados aqui desde a criação deste blog, alerto para o meu compromisso de festejar o próximo milhar: 10.000. O convite-convocação já está lançado! E o Carlos, como autor da ideia, deverá ser o primeiro a chegar na comemoração.

Obrigada pela frequencia, questões, incentivo e amizade!
Vicenza

sábado, 11 de setembro de 2010

Teste de inteligência: Matrizes Progressivas Coloridas de Raven

Os testes psicológicos são um dos instrumentos que mais caracterizam a nossa prática perante a sociedade. Os psicólogos são conhecidos e descritos pela ação em consultórios particulares, nas terapias, e na mensuração ou caracterização de elementos idiossincráticos relativo a populações. Somos reconhecidos pelas produções nessas duas vertentes do nosso trabalho.

É por esse motivo que este texto se torna delicado. Particularmente, não sou afeta à aplicação de testes. Creio que nós, humanos somos muito mais capazes de mensurar qualquer característica que desejarmos. Talvez seja óbvio esta informação. Assim, os testes viriam ratificar uma opinião profissional de forma a fortificá-la. Mas este argumento não me parece ter sentido.

Sabemos, através do estudo da história destes instrumentos psicológicos, que os primeiros testes inventados foram os de inteligência e que surgiram com o objetivo de classificar crianças de forma a facilitar o ensino. Seu crescimento ocorreu devido à urgência em se treinar soldados para a guerra sendo usados para excluir indivíduos com baixa capacidade intelectual e que aumentavam o tempo e o custo do treinamento.

Pois bem, lanço aqui uma questão prática quanto a utilização de testes de inteligência no Brasil. Usamos, aqui no Distrito Federal, no âmbito da Secretaria de Educação, nas escolas públicas, o teste chamado Matrizes Progressivas Coloridas de Raven – ou o teste Raven de inteligência.

O senso comum nos informa que as crianças a cada geração estão mais espertas. Nos assustamos com o uso de palavras e expressões avançadas para a idade em nossas crianças. Qual seria a validade atual deste instrumento na aplicação deste teste hoje? Será que o resultado de percentil 50% de um aluno corresponde realmente a média de inteligência da população à qual esta criança pertence? (Verificar Efeito Fynn)

A outra questão que faço é respondida com muita tranqüilidade por especialistas da área de medidas psicológicas: o traço inteligência em nossa cultura é a mesma de outros lugares do mundo? E, em sendo o mesmo, pode ser atingido da mesma forma? É certo que nossa base cultural valorizada social e educacionalmente é a mesma – a cultura greco-romana. Mas a inteligência brasileira não é a mesma européia ou americana, certo?

Minhas questões tomam por base conhecimentos de senso comum, mas também tem fundamento nos conceitos das medidas psicológicas: a fidedignidade do fator a ser medido, a validade do instrumento e a padronização do mesmo. Afirmo aqui que o teste Matrizes Progressivas Coloridas de Raven está ultrapassado, não mais pode ser usado para referenciar o nível mental de nossos alunos.

Meu argumento prático, que se une ao argumento científico acima mencionado, foi a aplicação deste teste em um aluno que apresenta um atraso em seu desenvolvimento intelectual. Este atraso refere-se principalmente a sua falta de atenção, motivo pelo qual ele foi encaminhado ao nosso serviço. Sua falta de atenção provavelmente tem sua origem na superproteção do pai que tem seu primeiro filho com deficiência auditiva e que encontra neste segundo filho o seu ideal em desenvolvimento. A exigência imposta pela mãe não encontra resposta no filho que, indulgente, se apóia no pai e permanece sem crescimento e responsabilidade, provocando também baixo rendimento escolar. Vários são os sintomas psicológicos que este pai gera em seu filho, inconscientemente, é claro. Gostaria de destacar sua insegurança que o impede de oferecer uma resposta afirmativa para perguntas simples. Nosso aluno não tem certeza nem do que está diante de seus olhos ou tem medo demais de errar e ser criticado por isso. Nossa aplicação do teste em pauta resultou inteligência média neste aluno. Todos os nossos outros instrumentos – observação de interação entre pares, desempenho acadêmico, desempenho em jogos lúdicos entre pares e com adulto (com ou sem mediação), avaliação clínica indicaram uma inteligência abaixo da média.

Que respaldo nos dá este teste? Se ele não oferece este mínimo, para que serve então?

Buscando referências para as questões aqui lançadas encontrei o artigo Matrizes Progressivas Coloridas de Raven – Escala Especial: Normas para Porto Alegre, RS de Denise Ruschel Bandeira, Irai Cristina Boccato Alves, Angélica Elisa Giacomel, Luciano Lorenzatto, in Psicologia em Estudo, Maringá, v. 9, n. 3, p. 479-486, set./dez. 2004. Disponibilizado em http://www.scielo.br/pdf/pe/v9n3/v9n3a15.pdf, 11/09/2010.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Sobre o autismo

O autismo é entendido como um desvio no desenvolvimento normal de uma criança. Ele é classificado como transtorno global do desenvolvimento que, segundo o DSM-IV, deve manifestar os primeiros sintomas ainda na primeira infância, antes dos três anos de idade.

São sintomas de autismo atraso na aquisição da fala; ausência ou dificuldades no contato visual direto (olho no olho); falta de acomodação do bebê ao corpo do adulto quando em seu colo; não compartilhamento de atenção, surpresas, descobertas por parte da criança; ausência de verificação de aprovação/reprovação do adulto em relação às suas ações; apego a brinquedos bizarros ou improvisados; criatividade restrita; ecolalia; fala descontextualizada; restrições alimentares; apego a rotina e resistência a mudanças; comportamento estereotipado; dificuldades em interações pessoais; crises agressivas sem motivo aparente; auto-agressividade ou flagelação; fixação em determinados temas. Caso uma criança ou adolescente apresente um ou dois destes sintomas, deve-se observar atentamente seu comportamento. Quando houver suspeita, a família deve encaminhar a criança a um psiquiatra infantil.

As características principais de uma criança autista são dificuldades ou desvios na comunicação, socialização, psicomotricidade e no comportamento. As formas de manifestação destes elementos ocorre de forma bizarra. Algumas vezes o contato com essas crianças pode causar assombro.

Há famílias que não percebem que há algo errado com seus pequenos. Ainda não li nada sobre as reações de pais e mães frente a seus bebês com comportamentos tão diferentes. A classe médica não está preparada para identificar comportamentos característicos de autismo na primeira fase da vida. Mesmo com suspeita e relatório comportamental detalhado da escola, é raro um médico atestar o transtorno antes dos seis anos de idade. O diagnóstico é feito por exclusão, não há exames que detectem o transtorno.

A síndrome é muito comprometedora e impede as relações familiares corriqueiras. As famílias que contém um/a autista não admitem uma rotina comum e seus participantes adquirem sintomas relacionados à convivência com o/a sindrômico. A psicóloga clínica Ana Maria Bereohff nos alerta que devemos dar atenção aos irmãos de autistas. Como há uma ideia geral de que os pais morrem antes dos filhos, e sendo os autistas pessoas a priori dependentes, a/os irmã/os assume(m) a responsabilidade de cuidar. Algumas vezes essa assunção ocorre tão precocemente que a infância do irmã/o é podada. Estou acompanhando um caso em que o irmão de um autista deixa de brincar para ajudar a mãe a cuidar do outro. A mãe percebe o excesso e admite sair com os filhos separadamente para garantir a diversão do irmão, preservando-o.

A vida dos adultos também modifica-se radicalmente devido a sua convivência com atos anti-sociais dos filhos com autismo. Além disso, não é raro verificar separações de casais quando um dos cônjuges não se implica firmemente com o problema. Em geral, percebe-se uma tendência masculina neste comportamento, provavelmente devido a crença, em nossa sociedade, de que as crianças são de responsabilidade feminina. Esse dado não é científico na medida em que não foi realizada uma pesquisa empírica, mas observações dos casos que estamos estudando.

Entramos em contato com o movimento do Orgulho Autista que abarca familiares e profissionais que lidam com o autismo. Este movimento teve sua origem na sociedade estadunidense. Aqui em Brasília, o movimento é bastante forte e promove palestras com profissionais especializados pelo menos uma vez por ano e uma vez por mês há o Desabafo Autista quando os parentes, profissionais que lidam com autistas e os próprios acometidos se expressam livremente sobre a questão. Esses são momentos tão ou mais ricos quanto palestras com profissionais, posto que trata-se da realidade em relatos emocionantes contrastando com o distanciamento que a sistematização de conhecimentos provoca.

A psicóloga Ana Maria Bereohff alerta para cuidados na avaliação psicológica de autistas. É necessário apresentar um ambiente rico em possibilidades e recursos para se identificar o interesse do acometido. Esse interesse pode ser detectado também através do discurso dos pais e dos profissionais da escola. Diz ainda a colega que se deve estabelecer metas possíveis para o tratamento psicoterápico. Ela sugere a leitura do livro “O estranho caso do cachorro morto” que se encontra em fase de filmagem para o cinema.

Há um filme que narra a história real de uma família com um filho autista, suas dificuldades e o estabelecimento de comunicação com o pequeno. O filme está disponível no U-Tube e chama-se “Thomas: um amigo inesperado”. O título original é “After Thomas”.

Mais informações na postagem Ainda sobre o autismo:
http://atuarpsicologiaescolar.blogspot.com/2010/10/ainda-sobre-o-autismo.html

http://movimentoorgulhoautista.ning.com/

Links para o filme After Thomas

http://www.youtube.com/watch?v=7PhRJKcwHeY&feature=related

http://www.youtube.com/watch?v=RPK_SLApPyw&feature=related

http://www.youtube.com/watch?v=SDlV0_I358I&feature=related

http://www.youtube.com/watch?v=EVoZY3OwA3A&feature=related

http://www.youtube.com/watch?v=CT5XevwhFu8&feature=related

http://www.youtube.com/watch?v=mxrN06HEzx4&feature=related

http://www.youtube.com/watch?v=DSntI1Z1leA&feature=related

http://www.youtube.com/watch?v=8mJwlYh-UQ0&feature=related

http://www.youtube.com/watch?v=OkBrCYnHHbs&feature=related

http://www.youtube.com/watch?v=lb5gMpaAL64&feature=related

8000

Estamos nós aqui com 8000 acessos!
Ontem quando visitei nosso blog, verifiquei que faltavam apenas seis acessos para completar os oito mil.
É claro que fiquei contente e uma de nossas seguidoras já me felicitou ontem mesmo.
É provável que tenhamos atingido essa marca nesta madrugada porque fiz minha última visita ontem às 23 horas.
Mas isso não é importante.
O melhor é saber que a minha sistematização tem servido a pessoas desconhecidas, curiosas em psicologia e questões escolares, estudantes, profissionais, pais ou leigos em psicologia.
Lançar as ideias e auxiliar quem precisa delas é o objetivo deste blog.
Muito mais válido do que um número sem sentido é avaliar que questões práticas estão chegando e sendo respondidas, que os textos tem sido lidos e auxiliado.
Mais que a exposição de sistematizações de prática que ousam uma nova teoria, este sítio pode se transformar em um serviço.
Grata estou aos meus seguidores e seguidoras e aos visitadores.
Vicenza Capone

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Dificuldade de aprendizagem

Há alguns anos atrás, as crianças que não aprendiam como as outras eram submetidas a exames médicos para se saber o que havia de errado com elas. Quando os exames não ofereciam nenhuma resposta, nenhuma justificativa para a dificuldade de aprendizagem, os médicos diagnosticavam Disfunção Cerebral Mínima. Quer dizer, o comportamento aponta que há algo errado no cérebro, mas os instrumentos construídos pelo homem ainda não conseguem detectar.

Essa desculpa para o insucesso escolar não se sustentou por muito tempo. Hoje temos o Transtorno de Déficit de Atenção com ou sem Hiperatividade. Além dele, temos também o Déficit no Processamento Auditivo Central. Este último é uma deficiência bem mais nova. Digamos, uma doença recente. Vamos analisar cada uma destas "doenças".

Hoje, a vida urbana é extremamente rápida, cheia de estímulos, insegura, superlotada. Voltamo-nos para dentro de casa, para nos protegermos e nos distraímos com uma grande quantidade de equipamentos modernos. Desnecessário é citá-los. Nossas crianças, que nem imaginam o que é um peão ou como brincar com ele, vão para a escola e encontram uma pessoa na frente de uma parede verde ou branca que fala durante quatro ou cinco horas todos os dias apontando um livro. Quanto interesse será que essa figura pré-histórica suscitará no pequeno?

Para sustentar esta vida cheia de equipamentos novos que devem ser comprados para garantir a felicidade familiar, mães e pais precisam trabalhar durante todo o dia. A educação fica a cargo de uma pessoa cuja história e princípios não são questionados durante a contratação. As babás e secretárias do lar são responsáveis pela educação doméstica. Isso não é moderno. Aliás, isso me parece setecentista. Sabemos o quanto o nosso jeito de ser é africano e, particularmente, ligo isto à nossa raiz escravista. Este sistema impossibilita uma educação firme e efetiva porque não pode ser dada por uma pessoa de fora da família. Quem não é pai ou mãe tem permissão para falar com firmeza à criança. A família não habilitou a babá para fazer isso. A empregada, então, cuida para que as crianças não se machuquem e se alimentem nos horários corretos. Passar disso poderia ser interpretado como intrusivo ou até agressivo. Philippe Ariès demonstra em seu A história Social da Criança e da Família o quanto o cuidado e a educação das crianças foi delegada a pessoas incapazes ou pouco estruturadas.

Aos seis anos de idade a criança segue então para sua institucionalização obrigatória. É lá que se iniciarão os problemas. Muitas crianças chegam à escola com seu diagnóstico fechado pelos próprios pais. Conheço um pai que afirmava que seu filho de apenas dois anos era hiperativo e que gostava disso, pois todo hiperativo é bastante inteligente. Que pensamento frugal.

Na verdade, grande parte das crianças denominadas hiperativas são mal educadas. As entrevistas com pais de alunos mostram isso. Os adultos não se sentem competentes para ensinar os pequenos e lhes dão tudo o que pedem. Ao menor sinal de desgosto, contrariedade ou chilique, os pais oferecem rapidamente satisfação. Infelizmente, não sabem que um ser humano com plena satisfação de seus desejos não cresce e tende à corrupção. Facilmente estes filhos se tornam déspotas e dominam os adultos. É comum orientar pais que afirmam não saberem como educar os filhos e pedirem auxílio neste sentido. Devido a quantidade de casos com estas características, somente oferecemos a possibilidade de diagnóstico de TDAH quando não há qualquer mudança de comportamento uma vez oferecido o limite necessário pelos pais e professores.

As crianças hiperativas não são compreendidas nas escolas. Ensiná-las é difícil porque não se intimidam em expressar, diretamente ou através de seu comportamento, que não querem ser ensinadas com o método proposto. Seu pensamento é agitado, rápido e extremamente vigilante. Atentam-se para todo e qualquer estímulo, mas por pouco tempo. Têm a atitude exigida para os executivos modernos: atenção flutuante, ação constante, agilidade de pensamento, perspicácia com novidades do mercado. Nosso sistema educacional não está preparado para tais crianças. Nosso método é antigo, ultrapassado. A medicina auxilia a educação dopando as crianças para que, mais calmas e centradas, consigam suportar a aula e aprender lentamente. Tornam-se então um problema de saúde ao invés de instigarem a mudança do sistema educacional.
Quanto ao Déficit do Processamento Auditivo Central (DPAC) – também chamado deficiência, transtorno ou distúrbio – trata-se da dificuldade em decodificar as informações sonoras quando as estruturas do aparelho auditivo não revelam nenhum problema. Alguns se referem a uma surdez sem razão estrutural. Funcionalmente a pessoa não escuta.

Muitas mães diagnosticam este problema em casa quando chamam seus filhos várias vezes e quando se cansam vão perto da criança e lhe dizem o que querem. Cansadas, afirmam “esse menino parece que não escuta!” Coisa mais antiga! A audição está ótima, a compreensão do que têm interesse também não é prejudicada, mas, quando a gente precisa de alguma coisa, o ouvido não funciona. Os comerciantes fazem isso desde o início de sua profissão. Não escutam reclamações, mas sim pedidos e elogios. Quantos de nossos alunos têm ouvidos de mercador? Com um laudo médico de DPAC deixam de ser exigidos.

Quanto estes diagnósticos podem ser prejudiciais ao desenvolvimento de uma criança?
“Se um aluno tem DPAC, não se deve esperar que ele escute.” “Caso nosso aluno tenha TDAH, não adianta querer que ele dê atenção ao que dizemos.” “Não temos preparo para educar um aluno com um laudo destes e sequer recebo para isso.” “Afinal de contas, somos profissionais da educação e não da saúde.”

Há um grande risco na medicalização do ensino. Denuncio aqui a extensão que esta ação tem tomado em nossas escolas. Cada vez mais há doenças na população infantil. Nossos alunos devem ser ensinados, mesmo que estejam doentes. Transtornos, déficits, deficiências, distúrbios, doenças, síndromes não são desculpas para o desenvolvimento não acontecer. Esses termos não são escolares, nem educacionais ou pedagógicos. Enquanto profissionais da escola nós, psicólogos, devemos estar alertas para fazer o serviço de saúde e de orientação sem nos deixar iludir ou paralizar por estes laudos. Nossa função é alertar e apoiar o corpo docente a realizar o trabalho criativo de que são capazes, forçando o limite de cada criança e provocando seu crescimento.

Transtorno, dificuldade, distúrbio, problema de aprendizagem não devem ser resolvidos com laudos médicos, fonoaudiológicos, psicológicos. Devem ser superados na ação responsável e competente dos profissionais da educação!

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Formação continuada

A visão treinada dos psicólogos identifica facilmente crianças que podem ser beneficiadas com nosso auxílio. Quanto mais, trabalhamos mais fina fica a nossa observação, melhor a nossa escuta. É provavelmente devido a isto que o Conselho Federal de Psicologia oferece a psicólogos o título de especialista para profissionais que atuam na área pleiteada de especialização mediante comprovação de tempo de serviço e prova de conhecimentos específicos.

Trabalhei de 2001 a 2008 com alunos que têm dificuldade de aprendizagem, entre 2008 e 2010 como psicóloga escolar residente e agora realizo diagnósticos e apóio pais e professores em suas funções de educadores. Nessa nova fase, eu e minha parceira de trabalho que é pedagoga, lidamos com a grande responsabilidade de afirmar que vários alunos são ou têm transtornos, distúrbios, doenças muitas vezes assustadoras para pais e escolas. Estes alunos se destacam da maioria e por isso são encaminhados aos nossos cuidados. Alguns têm apenas problemas de adaptação, mas a maior parte tem mesmo algum problema grave que a professora ou os pais sozinhos não conseguem resolver.

Mesmo com experiência, muitas vezes ficamos indecisas sobre o melhor diagnóstico e quais os termos devemos usar para sermos entendidas de forma profunda, inequívoca e fácil. Relatamos nossas observações e avaliações para pais, professoras, médicos, fonoaudiólogos, psicólogos, nutricionistas, psicomotricistas, burocratas da Secretaria de Educação.

Consideramos que temos oportunidade privilegiada de acesso às crianças e ao seu ambiente escolar. Temos tempo para observar os pequenos, para conversar com as professoras e pais (às vezes levamos duas horas com cada um), para discutir o caso com os profissionais da escola ou extra-escolares e entre nós mesmas. Por isso, acreditamos que devemos fundamentar a avaliação dos demais profissionais que atenderão a criança.

Nosso relatório é minucioso, amplo, descritivo, longo, cuidadoso. Expomos apenas as informações que consideramos relevantes. Buscamos o melhor atendimento pelas escolas e melhor tratamento pelos profissionais de saúde.

Para fundamentar nossa prática, estamos sempre estudando, discutindo nossas teorias de base, buscando livros, cursos, participando de palestras e debates, consultando outros profissionais. Esta ampla busca de informações sobre cada criança em investigação é provocada pela intenção de alcançar o melhor resultado.

Esta preocupação e empenho possibilitam cada vez melhor desempenho. Quando declaramos aos pais nosso diagnóstico, nossa orientação mostra a segurança construída depois de muito estudo e debate. Muitas vezes surpresos durante a entrevista, os responsáveis têm suas angústias acolhidas de forma a saírem do encontro com traquilidade. A sensação de ignorância e desnorteamento são sanadas nesta mesma oportunidade e os pais sentem a firmeza do apoio da escola para enfrentar os problemas em conjunto.

Nossa busca é brindada com a adesão dos adultos às nossas sugestões de tratamento. A confiança que pais e professores depositam na nossa atuação nos dá certeza de que nossa conduta é acertada. Temos tido boas respostas dos profissionais das escolas que atendemos (que são cinco). Pais saem mais leves de encontros conosco mesmo aqueles que demonstram personalidade arredia.

domingo, 18 de julho de 2010

Fortalecimento de Ego

Somos dominados por nossos próprios pensamentos. Nossas crenças nos limitam as ações. Se acreditarmos que não podemos voar, ficamos junto a terra. Santos Dumont acreditou que poderia voar e inventou o avião. Mas as imposições de outras pessoas não têm o mesmo efeito. Nelson Mandela nunca acreditou na superioridade da “raça” ariana. Sofreu por isso e mostrou a todo o mundo como os homens são equivalentes independentes das cores de sua pele. É claro que esses exemplo são de pessoas distintas, indivíduos fortes, admiráveis. Digo, então, que isto é o que os difere de nós. A fortaleza de sua personalidade faz com que os demais da espécie pensem como eles e não o contrário, forçando uma reestruturação de crenças.

Trabalho o bulling seguindo esta teoria. Devemos fortalecer as personalidades das quais cuidamos para que elas próprias possam apossar-se de si mesmas e não submeter-se a ideias destruidoras advindas de outros.

Quando um/a aluno/a me procura solicitando auxílio porque outro/a aluno/a xingou sua mãe, está claro para mim que quem precisa de intervenção urgente é ele/a. Questiono diretamente se a sua mãe é o que o/a colega lhe falou. Logicamente a criança responde negativamente. Apresento assim a sua contradição, já que sua mãe não é tal, qual a origem de sua preocupação? Esvaziada a angústia, passo a tratar o/a ofensor/a. Coloco-o/a na situação do/a colega ofendido/a. Além disso, questiono qual o efeito das ações da mãe do outro sobre suas vidas. A ofensa perde o sentido, são exigidas desculpas apropriadamente e questiona-se se são aceitas. A amizade é restabelecida ou não e, quando cabível, as punições são estabelecidas perante os dois ou quantos sejam.

Pode ocorrer a repetição/continuação da ofensa, mas a partir desta intervenção o/a ofendido/a terá opção de não se sentir assim.

Creio que esta é uma das principais ferramentas de trabalho da Psicologia: o fortalecimento do ego que possibilita primordialmente a autonomia do sujeito.

Cultura e fragilidade humana

Quem é meu leitor já percebeu que meu estilo de escrita é livre, sem preocupação com citações. Muitas pessoas me dizem que é fácil ler o que escrevo e sinto isto como um elogio. As ditas citações fazem o texto ser científico. Não me preocupo em ser científica, mas em compartilhar teorias que formulo advindas da minha prática profissional. Sobre a minha concepção de relação teoria/prática escreverei em próxima oportunidade.

Acredito que a ciência nos afastou muito da natureza e isto tem nos feito bastante mal. Já falei sobre a pouca produção científica brasileira na área de psicologia escolar e como isto é preocupante. Creio que a necessidade de fundamentação teórica é um dos agravantes deste problema. Sendo válido somente o que é dito quando se relata o pensamento de terceiros, a fala autêntica se perde e a criatividade empobrece.

Lamarck nos brindou com um pensamento autêntico quando postulou o conceito de desenvolvimento de órgãos através de uso e desuso. Se ele tomou esta idéia de outrem, quem ficou famoso foi ele e não posso ser culpada por esta injustiça. Dizem que as pessoas que comem pouco ou não comem (as que vivem de luz, sei lá) têm seus estômagos muito reduzidos. É sabido que usamos apenas 10% da capacidade de nosso órgão cerebral. Então, como é que nosso cérebro é tão extenso? Por que o usamos tão pouco?

Eu penso que a cultura tem nos aprisionado e por isso estamos nos tornando fracos, menos inteligentes, desamparados frente as forcas da natureza e reféns da violência uns dos outros. Resumindo, estamos afastados da natureza que nos fortalece.

Sabemos que na idade média, os guerreiros usavam armaduras pesadíssimas e que suas espadas os homens de hoje não as podem sustentar, imagine se podem lutar com elas!

Monteiro Lobato em O Saci do Sítio do Pica Pau Amarelo através do personagem título nos fala o quanto o ser humano é despreparado para a vida. Todos os animais e vegetais já nascem sabendo o que devem fazer para sobreviverem, procriarem e morrerem. Nós temos que permanecer anos na escola para termos vidas de acordo com nossa cultura. As clínicas de distúrbios sexuais nos apontam para a falência de nossa atividade sexual. Quanto a morte, com perdão da minha ignorância, apenas monges adiantados sabem como morrer ou conduzir alguém por este portal, seja para outra vida, seja para o nada.

Devo ressaltar que muitas de nossas crianças vão bem sem a escola. Sobrevivem usando as regras sociais em seu benefício, algo que mostra inteligência. Porém, são pouquíssimas as que conseguem viver por muito tempo, principalmente nas grandes cidades onde são perseguidas ao invés de acolhidas. Mesmo assim tais crianças precisam aprender a andar, falar, o funcionamento das regras.

Tenho orientado pais de alunos/as a treiná-los/as sobre os perigos da rua porque a violência urbana tem trancado nossas crianças em casa. A tecnologia, a ciência, a cultura faz com que os pequenos se acomodem em casa sem reclamar a falta que o convívio com seus pares e com a natureza lhes faz. Eles engordam, ficam preguiçosos, energizados negativamente, perdem oportunidade de cooperação, perdem percepção de risco, postura alerta e se tornam extremamente frágeis. Se há mais vento, não sabem que já vem chuva e devem se proteger. Não conhecem as árvores e não percebem que lhes podem cair frutas na cabeça, como abacates. Não conhecem intenções de pessoas desconhecidas que lhes podem fazer mal.

Frágeis!

Nós nos tornamos cada vez mais frágeis. Nossas crianças não têm treino corporal, intelectual, afetivo para dificuldades. Quais são nossos objetivos com elas?

Até hoje a ciência não explicou como as Pirâmides do Egito e Stonehenge foram construídas. E eu não posso imaginar como temos o maior cérebro dentre os seres vivos. Mas quem sou eu, não é mesmo? Não passo de uma livre pensadora que divide suas inquietações com pessoas igualmente curiosas.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

7000

Upa, upa, upa!!!!!
Como estou contente!
Sinalizo, como de costume, que nosso blog atingiu a marca de 7000 acessos.
Tenho cada vez mais recebido mensagens de estudantes, pais de alunos e profissionais discutindo, lançando questões, enfim contribuindo para o crescimento deste sítio e da área.
Informo que o meu e-mail pessoal está exposto na lateral esquerda do blog e que pode ser usado para comentários quaisquer.
Quero de público agradecer as/os companheiras/os que me auxiliam grandemente fazendo a revisão dos textos publicados e sugerindo temas para serem expostos e discutidos:
Veida, Carlos, Nilvânia.
Um beijo no coração de vocês!
Obrigada a todos e todas que sugeriram questões (valeu, Mariane!) e que nos brindam com sua atenção e comentários.
Vicenza Capone

domingo, 20 de junho de 2010

Ecologia Prática

Estamos em uma era de cuidado extremo com a casa onde moramos justamente pelo fato de não termos cuidado adequadamente por muitos anos. O respeito pelo ambiente que nos cerca não envolve somente plantas e animais, mas pessoas que fazem parte dele. Sempre me considerei uma pessoa ecológica e neste blog mostro no Espaço Ecológico um pouco disso. Quando era menina me preocupava com a saúde da população de Cubatão e imaginava como poderia agir pessoalmente para salvar o planeta já que as baleias estão tão distantes fisicamente de nós.

Pois bem, no mês passado tive uma amostra do quão difícil este exercício pode ser. Um dos parques ecológicos do Planalto Central é o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros. Há um número imenso de cachoeiras lindíssimas, o cerrado é preservado e a comunidade é bem preparada para o turismo ecológico na sua principal entrada: o povoado de São Jorge, município de Alto Paraíso, Goiás. Pela proximidade com o DF, nós, brasilienses, vamos muito lá.

Assim, fui um final de semana para aproveitar a região usando minha bicicleta como transporte. Ainda não estou acostumada com ela, mas tenho certo preparo físico, pois me exercito correndo. Todas as pessoas que atendem nas pousadas, restaurantes, lojas e mercados são muito solícitas e preparadas para o turismo. Eu sou muito comunicativa e informei para algumas pessoas que me atenderam que eu pretendia ir a algumas cachoeiras de bicicleta. Todos eles foram unânimes em seu espanto e alerta de distância e dificuldade. Eu só pensava na quilometragem e ela estava dentro dos meus limites. Quando eu insistia que não seria tão difícil, eles respondiam que eu deveria estar preparada e desejavam boa sorte.

Meu primeiro passeio demorou mais que o dobro do tempo que eu havia previsto. Foi excelente! À luz do plenilúnio, cheguei a desligar o meu farol. Porém, em Brasília ando de bicicleta no asfalto, pouco relevo e em parques urbanos sem carro. Tive que enfrentar as costelas da estrada de terra, a poeira levantada pelos carros que passavam, defeitos da bicicleta e ladeiras impensadas. Minha inocência infantil manteve a graça do passeio.

No dia seguinte, deixei a magrela descansando e fui fazer trilhas a pé e depois de carro. No último dia, resolvi usar minha bicicleta novamente para fazer um passeio de seis quilômetros. Antes de vencer os três quilômetros iniciais, eu já estava pedindo ajuda ao altíssimo. Depois de ultrapassar a porteira de acesso, recebi as instruções dos donos da fazenda sobre as cachoeiras. Desci os outros três quilômetros com dor nos nós dos dedos de tanto frear. Mal sentava-me devido às costelas e aos buracos da estrada de terra. A vista era encantadora e os odores do cerrado fascinantes. As cachoeiras são fabulosas e descansei bastante antes de subir novamente. Não me senti a vontade para banhar-me devido à quantidade de pedras e ao receio de trombas d’água que ocorrem nesta época do ano.

Já chegava a hora de retornar. Sabia que seria difícil, por causa da decida bastante íngreme. Penso que fiz apenas duzentos metros sobre a bicicleta. Todo o trajeto foi feito empurrando o transporte sobre o sol seco do meio-dia. Nunca suei tanto! Durante a subida, meu companheiro sugeriu ir buscar o carro na cidade para me buscar. Meu herói! Ambos, quase mortos, chegamos ao portão da propriedade onde o filho do dono nos ofereceu água.

Enquanto eu esperava meu super-homem retornar, engajei uma conversa sobre a região com o responsável pelo local. Então perguntei sobre o horário de encerramento de visitação das cachoeiras. Ele informou-me que todos os proprietários de terras concordam em encerrar as atividades às cinco da tarde por causa dos bichos. Eu, ignorante, pensei que seria para proteção dos humanos. Ele prosseguiu informando que a maioria dos animais sai entre seis e oito horas da noite para buscar alimentos e/ou caçar. Se eles virem um bicho-homem, voltam à toca e não saem mais. Isto prejudica principalmente os filhotes em amamentação. As fêmeas nutrizes podem ficar fracas, e seu leite consequentemente, fragilizando a prole.

Fiquei espantada com a justa preocupação do nativo e a profundidade de seu conhecimento. Afinal, concluí, eles não estão preparados apenas para o lucro extraído da beleza natural de que dispõem. Também não estão preocupados com seus irmãos em espécie. Estes brasileiros sabem como proteger os animais que ocupam as terras das quais são responsáveis. Se ocupam e informam os desavisados (eu) sobre os perigos da região e são exigentes quanto a lixo e coleta. Em todas as cachoeiras que visitei, há avisos sobre o cuidado com resíduos, a proibição da coleta de plantas e da caça de animais silvestres. No parque é proibido inclusive catar pedras! Os guias são preparados para auxiliar pessoas com pouco preparo físico e salvamentos eventuais.

Expressei meu encanto pelo capricho e preparo do meu interlocutor. Informei o quanto me sentia desrespeitosa quanto aos avisos dos moradores de São Jorge. Elogiei o trato ecológico da população. Ele, então, se referiu à baixa preocupação do governo do Goiás com a região e expôs que talvez haja mais investimentos no local com a Copa do Mundo de 2014. Desfiou os planos dos locais sobre suas buscas de melhorias para receber os visitantes de todo o mundo que assistirão aos jogos sediados em Brasília.

Eu caí de amores! Além da aula de ecologia que tive, ainda fui agraciada com uma dissertação política. Estes cidadãos, além de preservarem nossa fauna e flora de forma a mantê-la para as próximas gerações, conhecem e estão preparados para os riscos do interesse político nas riquezas que guardam.

Em que essa minha viagem se relaciona ao tema deste blog?

É que não acredito na influência da escola sobre o profundo conhecimento destes indivíduos em relação ao seu habitat. A preocupação das pessoas com meu bem-estar físico de ciclista liga-se a solicitude da população. Os horários dos animais silvestres também não devem ter sido aprendidos na escola, senão com os habitantes mais antigos. A visão política e de planejamento com vistas a melhorias na região também, isto é certo, não são coisas que os brasileiros aprendem na escola.

Enfim, questiono aqui o papel real da escola para a formação da cidadania.

Como meus/minhas leitores/as sabem, sou mestre em psicologia, quer dizer tenho muitos anos de educação formal. Este meu conhecimento é restrito a algumas poucas áreas. De nada me valeu quando eu empurrava minha bicicleta ladeira empoeirada e ensolarada acima, após ter contrariado todos os profissionais que me sinalizaram de forma a evitar tal sofrimento.

Além do meu aprendizado de humildade, pretendo, com este texto, compartilhar minha aquisição de respeito aos nativos. São eles que conhecem verdadeira e profundamente as características do lugar, seja ele qual for. O respeito ao ser humano que habita o local onde estamos também é ecologia.

sábado, 5 de junho de 2010

As questões da Mariane

A Mariane é uma estudante de psicologia de uma capital do nordeste e me fez uma pergunta no meu endereço eletrônico particular.

Eu não perguntei a ela se poderia informar seus dados aqui no blog por isso eles vão assim cifrados. Acredito que ela não se incomodaria em ter sua identidade revelada aqui, mas já demorei demais para lhe responder. Ela me mandou as seguintes perguntas em 16 de maio e somente agora pude respondê-las. Espero que a auxilie assim como a outros leitores.

1) Qual o objetivo do trabalho do Psicólogo Escolar?
O objetivo do trabalho do Psicólogo Escolar é adequar a escola para as demandas pessoais de cada aluno e profissional na medida do possível; manter a saúde mental dos personagens partícipes da comunidade escolar, principalmente o professor; participar ativamente dos processos de inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais; orientar pais e responsáveis por alunos que solicitem acompanhamento diretamente ou que os profissionais da escola indicarem; atentar para condições de trabalho insalubres e evitar acidentes de trabalho; contribuir para a melhora do clima organizacional. É possível resumir todas estas questões em apenas uma frase? Claro que sim. O Psicólogo Escolar deve utilizar sua ciência como instrumento para otimizar o processo ensino-aprendizagem conduzindo os participantes da comunidade escolar a melhores níveis de saúde mental.

2) Qual a importância da atuação do Psicólogo Escolar nas escolas públicas?
O profissional psicólogo em instituições públicas de serviço representa a única forma de acesso da população de baixa renda à psicologia. Digo isto porque em minha cidade há muitas faculdades de psicologia e nelas há disponibilidade de atendimento psicoterápico nas clínicas-escola. Entretanto, o atendimento nestas instituições é dificultado pela grande demanda. Além disso, é necessário o dinheiro para se chegar à clínica e, muitas vezes, as famílias não têm sequer um valor mínimo para a condução.

Assim, psicólogos nas secretarias municipais e distrital de saúde, educação e desenvolvimento social são as possibilidades de acesso da maior parte da população brasileira aos benefícios da psicologia.

Talvez por ser psicóloga escolar, acredito que no nosso caso temos maior contribuição a dar porque está sob nossa responsabilidade toda a população de crianças e adolescentes. Isto ocorre devido a obrigatoriedade legal da permanência em instituição escolar de todas as pessoas entre seis e quatorze anos – no ensino fundamental de 9 anos. Há um projeto de lei no Congresso Nacional prevendo o aumento da obrigatoriedade para dezesseis anos.

Sob nossa tutela estão crianças e adolescentes de baixa renda, que pertencem a famílias com problemas sociais e/ou envolvimento com drogas, com histórico de abuso sexual ou cujos pais não sabem como lidar com os filhos, como educá-los. Estas pessoas têm em nós, psicólogos escolares públicos, sua única oportunidade na vida de acesso ao serviço de psicologia. Nossa obrigação é atendê-los da melhor maneira, com empenho e esforço.

3) Qual a maior dificuldade?
A maior dificuldade que enfrento é o desconhecimento dos demais profissionais sobre o nosso trabalho na escola.

A segunda maior dificuldade, e a que mais me preocupa, é a psicologia exercida com descaso e incompetência provocando desconfiança na área por parte de cidadãos e outras categorias profissionais. Nossas ações devem ser conscientes e adequadas cientificamente de modo a resguardar nossa profissão como um todo, não podemos pensar isoladamente.

Agindo com responsabilidade e focando a construção da profissão garantiremos valorização profissional, aumento das vagas para atuação das gerações vindouras e melhoraremos a saúde mental da população de forma a reduzir gastos públicos com segurança e saúde. Nossa ação é primordialmente preventiva. Para isto, devemos estar preparados para a grande demanda que nos é apresentada e atuarmos com muita qualidade e cuidado. Ações responsáveis e seguras resolverão o primeiro problema apontado.

4) O apoio do Psicólogo escolar vai além da escola?
Sim, muitas vezes minhas orientações invadem a vida do casal parental de forma a beneficiar o desenvolvimento do meu aluno e de seus irmãos. Parcerias com instituições como CRAS e CREAS, Postos de Saúde, Clínicas Sociais, escolas de esportes são essenciais para o melhor desempenho do nosso trabalho pois podemos garantir atendimentos através delas. Já falei disso neste blog.

5) Hierarquicamente, quais os maiores problemas que os alunos "trazem" pra sala de aula?
Esta pergunta não pode ser generalizada. Há comunidades muito envolvidas com tráfico de drogas e nessas, com certeza, este deve ser o maior problema.

O psicólogo escolar deve estar atento o tempo todo para sinais que os educadores dão sobre sua saúde. Isto é uma coisa que me chama muito atenção. Esta categoria está estressada. Devemos apoiar sua saúde. Deixo claro que não me refiro apenas aos professores, mas aos agentes de limpeza e diretores de escola também.
A agressividade da nossa sociedade também é muito indicada para nossa intervenção, mas não vejo tanto problema nisso. Nossos alunos estão mostrando para os professores e para nós o que aprendem nos noticiários, desenhos animados, filmes, novelas e nos comportamentos de seus familiares e vizinhos. Que comportamentos deveríamos esperar deles na escola?

Quanto ao “bulling”, não o considero nada além de falta de respeito. Dar novo nome a fenômenos antigos nunca resolveu nada. Aliás, esse nome tem nos dificultado falar dele porque cada um escreve de um jeito, os professores de inglês ficam corrigindo nossa pronúncia, besteiras que nos dificultam chegar onde devemos. O costume de apelidar as pessoas é tão antigo no Brasil que são raras as pessoas que sabem quem é Arthur Antunes Coimbra. Poucas pessoas sabem o nome do Pelé. E quem sabe o nome do Fiuk? Só mesmo a wikipédia para nos salvar: Filipe Kartalian Ayrosa Galvão. Além disso, nossos alunos devem saber se defender de abusos que os perseguirão por toda a vida. Enquanto profissionais não sofremos ataques? Quando foi que nos preparamos para eles? Na infância, no período de teste de todos os comportamentos adultos. Por que não permitir que as crianças resolvam seus problemas entre si? Creio que devemos fortalecer os alunos que se deixam perturbar. Não acredito na solução do “bulling” através de palestras, jogos ou broncas aos pequenos.

Acho que fugi um pouco da pergunta que era objetiva. Mas como o blog é meu, pensei que a minha opinião sobre os assuntos apresentados pode ser instigadora aos leitores. Para a querida entrevistadora, digo que questões de abuso sexual também são comuns e difíceis de abordar e solucionar. Não há hierarquia entre os problemas. Todos devem ser resolvidos rapidamente, principalmente porque logo chegarão novos.

6) Qual o papel do Psicólogo na educação inclusiva/inclusão social?
O psicólogo é chamado para sensibilizar a comunidade escolar para a existência de pessoas que não são tão adaptáveis quanto outras. O discurso atual repete que devemos estar preparados para a diferença, porque todos os alunos são diferentes. Isto é mais que verdade. Não existe turma nivelada. Esta idéia é uma grande falácia e deve ser combatida com muita delicadeza e empenho. Ainda há muitos professores que sonham com uma turma que acompanhe a sua condução sem adaptações. A universalização da educação acabou com os resquícios deste sonho. É em nome dela que a inclusão deve ser construída.

Todas as pessoas, sejam elas como e quem forem, têm direito aos serviços comunitários. A escola é a primeira porta que se faz aberta para todos.
Ampliar a visão de pais, alunos, professores, empregados da escola e gestores em educação é papel da psicologia por ser esta a ciência que estuda os indivíduos e suas relações pessoais e ambientais.

6000

Querido/as leitores/as,
agradeço imensamente a frequencia de todos e todas e peço desculpas pelo meu sumiço no último mês.
Questões concretas e afetivo-profissionais me afastaram deste prazer que é escrever este blog.
Fiquei realmente surpresa em verificar a contagem de acessos hoje.
Infelizmente perdi a informação da data em que atingi a marca dos 6000 acessos.
Mas isto não tem muita importância.
O que vale são as mensagens que estão sendo enviadas e as questões que estamos provocando nos navegadores.
Mais uma vez agradeço aos meus incentivadores. Agora se somam a eles pessoas que têm coragem de me questionar diretamente mesmo sem me conhecer.
Informo aos que têm questões que sou uma pessoa muito gentil e acolhedora. Adoro discutir, mas não de brigar. Aceito sugestões, críticas e perguntas como as feitas pela leitora Mariane e pelo Mário. Suas respostas vão publicadas a seguir.
Motivada a acrescentar ainda mais,
Vicenza Capone

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Reconhecimento de trabalho e frustração

Em nosso trabalho na escola, há uma grande questão referente à percepção da nossa produção por parte dos demais profissionais. Em geral, eles não identificam nossa contribuição. Esta dificuldade gera bastante frustração e devemos estar fortalecidas/os para não nos deixarmos abater por ela.

Há um psicólogo estadunidense bastante famoso, especialista em atendimento de grupo, que escreve romances baseados em sua experiência clínica. Seu nome é Irvin D. Yalom e seus livros mais famosos são Quando Nietzsche chorou e A cura de Schopenhauer. Atualmente, leio Mentiras no divã que também já está na lista dos livros mais vendidos. Em seu primeiro capítulo encontrei esta pepita que divido com vocês.

“– Se ao menos – continuou Justin – Laura tivesse aparecido anos atrás! Estivemos conversando sobre quanto de aluguel poderemos pagar. No caminho para cá, comecei a calcular quanto gastei com a terapia. Três vezes por semana por cinco anos. Quanto é isso? Setenta e oito mil dólares? Não leve para o lado pessoal, Ernest, mas não consigo deixar de especular o que teria acontecido se Laura tivesse aparecido cinco anos atrás. Talvez eu tivesse deixado Carol naquela época. E terminado a terapia, também. Talvez estivesse procurando um apartamento agora com oitenta mil dólares no meu bolso!
Ernest sentiu o rosto corar. As palavras de Justin soavam na sua cabeça. Oitenta mil dólares! Não leve isto para o lado pessoal, não leve isto para o lado pessoal!
Mas Ernest não deixou transparecer nada. Não piscou nem se defendeu. Nem apontou que, cinco anos atrás, Laura teria cerca de 14 anos e Justin não conseguiria limpar o traseiro sem pedir permissão a Carol, não conseguiria passar a noite sem telefonar para o seu terapeuta, não conseguiria escolher de um menu sem a orientação da sua mulher, não conseguiria se vestir de manhã se ela não deixasse as roupas separadas. E, de qualquer maneira, foi o dinheiro da mulher que pagou as contas, não o dele – Carol ganhava o triplo do que ele ganhava. Se não fosse pelos cinco anos de terapia, ele teria oitenta mil dólares no bolso! Que droga, cinco anos atrás Justin não conseguiria se decidir em que bolso guardar!” (1)

A partir desta romanceada descrição do que costuma acontecer no ambiente psicoterapêutico podemos perceber a abrangência do problema que temos em demonstrar os êxitos que temos em nosso trabalho. Nosso campo de atuação é a psiquê, trabalhamos o interior das pessoas, algo que não é visto, deve ser percebido. Nosso trabalho é lento, suave, processual.

Todos querem ver o resultado do nosso trabalho. O grande problema é que nós também queremos vê-lo fisicamente, de modo a mostrá-lo aos demais. Isto porque compartilhamos com as pessoas da nossa sociedade sua visão de mundo: concreta, numérica, palpável.

E quando o nosso cliente não demonstra perceber as mudanças em si mesmo, mudanças que ele/a processou com nosso auxílio, nas quais sofreu para executar, isto é mais sofrido para nós.

Sofremos porque o outro não percebe o que nós percebemos.

Devemos estar preparados/as para que os resultados do nosso trabalho sejam vistos como “estalos” no desenvolvimento do/a aluno/a, mudanças em casa ou motivo insabido. E é importante também atentarmos para saber como e com quem reivindicar a (co-)autoria da mudança. Quando mostramos alguma transformação assertivamente corremos o risco do rótulo de arrogância e provocar desconfiança.

Bem, delicadeza e sutileza são palavras que aparecem muito neste blog!

Mesmo não sendo uma tarefa fácil, creio que devamos nos esforçar para ajudar nossos/as alunos/as a se adaptarem ao mundo – mas não necessariamente ao sistema escolar – e mostrar às/aos colegas os progressos que ajudamos a provocar. Para fazer isso, acredito que a melhor maneira é oferecer retorno dos atendimentos regularmente nas reuniões de professoras. Escrevi sobre isto na postagem Devolutivas de atendimento de abril de 2010.

De qualquer maneira devemos nos preparar para enfrentar as frustrações inerentes a função de psicólogos já que, como ilustrei com a citação de Yalow, até mesmo os famosos e respeitados psicólogos clínicos estadunidenses passam por momentos de falta de reconhecimento.

(1) Yalow, Irvin D. (1996/2006). Mentiras no divã. Trad. Vera de Paula Assis. Rio de Janeiro: Ediouro, pp. 49-50.

domingo, 18 de abril de 2010

Necessidade de trocas afetivas

O contato físico entre os seres do reino animal é uma necessidade fisiológica. O psicólogo americano Harry Harlow desenvolveu uma pesquisa sobre afeto na qual bebês de macacos rhensus eram separados das mães e expostos a bonecos de arame que dispunham de alimento e uma cobertura acarpetada. A preferência dos bebês macaco sobre os bonecos foram testadas através de várias modificações nos bonecos. A conclusão de Harlow foi a preferência dos macacos pelo conforto do contato físico em detrimento do alimento e da boa aparência dos bonecos.

Os contatos sociais são mediados por contatos físicos e o envolvimento afetivo apresenta gradações conforme o nível da relação. Os bebês humanos dispõem de maior quantidade de contato físico do que qualquer outra idade, mesmo quando este contato não tem qualidade. A ausência de proximidade com outra pessoa gera distúrbios gravíssimos já descritos na literatura psicológica. A medida que crescemos, a quantidade de contato físico diminui mas deve ser mantida.

A sociedade brasileira é bastante afetiva e disponibiliza possibilidades diversificadas de contato físico. Porém, infelizmente, proíbe alguns. Lemos e interpretamos o comportamento de nossos semelhantes e fazemos nossas imagens das pessoas a partir daí. Uma proximidade muito intensa entre dois homens, mesmo na infância, é interpretada como uma preferência sexual. Os meninos são incentivados a evitar grande proximidade com outros do mesmo sexo desde tenra idade. Eles também são ensinados que muito contato com meninas também carrega uma interpretação forte. Suas possibilidades de afeto são, então, bastante restritas. A afetividade feminina é bem mais tranqüila, pois são permitidas demonstrações de carinho entre amigas sem julgamentos de sua orientação sexual. Com tantas restrições, suprir a necessidade fisiológica de afeto masculina torna-se complexa e os indivíduos criam novas formas de resolvê-la.

Considero ponto pacífico a nossa tendência de tomar como modelo a sociedade estadunidense. Este povo é bastante violento e demonstra esta preferência em tudo o que produz. Vemos em seus desenhos animados, filmes e músicas reflexos deste traço social. Nós, brasileiros, reproduzimos conforme nosso modelo. A violência em nossos recreios escolares é reflexo do consumo de produtos estadunidenses. É também uma resposta a dificuldade de suprir a necessidade afetiva que os meninos possuem.

Através de jogos (cada vez mais) violentos, as crianças resolvem sua necessidade de tocar-se. Não vejo meus alunos sentados próximos uns aos outros, lanchando. Mas percebo um conforto na fila da cantina, quando têm de ficar juntos para que outros não lhes perturbe a ordem. Temos as brincadeira de “lutinha” e as brigas efetivas que resolvem, em certo grau, o problema que aqui discutimos. As promessas de brigas e ameaças de agressão também são formas de conseguir proximidade com os colegas. Ninguém promete algo a alguém que não lhe provoca nada, que não lhe causa uma possibilidade de afeto. Quem trabalha em escola e tem uma sensibilidade mínima percebe como as brigas se repetem entre os/as mesmos/as alunos/as.

Psicólogos escolares devem estar atentos a demonstrações de afetos e ensinar formas de expressá-las adequadamente. Há mecanismos pouco explorados que podem ser apresentados às crianças de modo que elas consigam suprir suas necessidades e não sejam julgadas erroneamente pelos demais da escola, inclusive os adultos.

Os pais devem ser orientados também neste sentido. Eles são fontes de afeto permitido e devem ser incentivados a oferecê-lo. Muitas vezes a sexualidade exacerbada na infância e na adolescência tem sua origem no abandono afetivo dos filhos pelos pais. A necessidade de toque será suprida fora de casa de forma nem sempre saudável ou produtiva. E não basta dizer aos adultos que eles devem fazer algo, devemos informar como fazê-lo porque se eles não fazem é porque não sabem como, nem a importância que tem tal ato. Por mais instruída que uma pessoa seja muitas vezes lhe escapa elementos essenciais da natureza humana. Não me furto a expressar que muitos/as psicólogos/as não se atentam ao que estou dizendo aqui. Pode ser até que não saibam fazê-lo também.

Os jogos sexuais são excelentes formas de suprir a necessidade básica de contato físico. Eles são permitidos depois que adquirimos responsabilidades sociais. Porém, a complexidade social faz com que nos tornemos distantes uns dos outros e as trocas sexuais são fonte de grande sofrimento ao invés de afeto e conforto. Assim, adultos também são alvo das dificuldades de suprir nossa necessidade fisiológica de toque.

Há diversas formas de proximidade física aceitas social e, às vezes, coletivamente. Estar em um ambiente cheio de gente pode ser agradável pela possibilidade de troca de calor. Assistir a um filme em contato com a pessoa ao lado; andar de braço dado com uma amiga (homens e mulheres); conversar segurando a pessoa levemente no braço ou na perna; jogar bola (vale vôlei por causa dos abraços que sucedem os pontos); dançar com parceiro/a. Esses são os exemplos que me vêm no momento.

Devemos analisar como estão as relações familiares para estimular contatos físicos entre os entes ou ensiná-los a como tocar-se. Acrescento que há casos em que os casais precisam ser orientados também. Suprir uma pessoa de afeto saudável é fundamental para evitarmos desajustes provenientes do afeto poluído. Gravidez precoce, abuso sexual infantil, estresse, depressão podem ser evitados através de uma saudável troca de contato físico entre as pessoas. A família e os amigos são relações privilegiadas onde estas trocas devem acontecer.

domingo, 11 de abril de 2010

A necessidades de relações interpessoais

Estive em uma palestra outro dia sobre a necessidade de termos boas relações para que nossa qualidade de vida seja boa. No caso da Psicologia Escolar, esta ideia se torna essencial porque é justamente nas relações que nosso trabalho se efetiva.

Já falei disso em postagem anterior. A sociedade é muito exigente com as pessoas que exercem a psicologia. O imaginário coletivo envolveu o psicólogo em vestimentas sacerdotais que denotam constante tranqüilidade, acessibilidade, resoluções rápidas, impassividade, alheiamento das alterações de humor comuns do cotidiano. Então, se você é psicólogo, não tem direito de um revés, mau humor, estresse, alegria, animação em festas. Você deve ser contido/a. De fato, esta imagem geral é coerente com o papel de instrumento, de objeto que desempenhamos principalmente na clínica, o nosso papel de não-sujeito.

Mas quem não é sujeito não se relaciona com as pessoas, apenas sofre suas ações e disponibiliza suas características para uso dos humanos. Como estabelecer relações saudáveis sendo um objeto de uso da escola?

Confesso que sofri muito para me adequar a este padrão de comportamento imposto pelo imaginário social. Como o meu nome mostra, descendo de italianos por parte de pai e mãe. Somos bastante passionais, agitados e expressivos. Eu gesticulo bastante quando falo, é muito fácil saber o que estou pensando e gosto muito da verdade. Demorei bastante para me tornar uma psicóloga padrão.

Uma vez padronizada, passei a conter minhas opiniões e disfarçar minhas expressões faciais. No contato com as colegas na escola, escuto muito e emito opiniões pessoais durante reuniões colegiadas. As conversas são sempre atendimentos profissionais quando analiso sintomas e indico minhas preocupações e cuidados que devem ser tomados para evitar insônias, depressões, crises nervosas. Estou sempre atenta aos movimentos da escola, questiono se as pessoas estão bem com abertura para expressão sincera e tempo para escutá-las. Procuro estar à disposição para atender casos emergenciais, tais como crise nervosa ou de choro de alunos/as; pais de alunos que precisam de atendimento e que já estão na escola; profissionais em crise; atendimento de Conselho Tutelar; resolução de agressões ou ameaças entre alunos/as, por exemplo.

Esta disponibilidade facilita e reduz as questões por serem atacadas em sua origem ou com prontidão. Além disso, faz com que a escola perceba o profissional psicólogo como acessível e prestativo. Dessa forma, é possível desempenhar o papel de instrumento da instituição, reduzindo a demanda por serviços externos, solucionando casos que poderiam extrapolar os serviços disponibilizados na própria escola (Conselho Tutelar, psiquiatria, fonoaudiologia, neurologia, psicoterapia, psicopedagogia), e... possibilitando relações sociais que correspondem à expectativa social do psicólogo.

Estar disponível para atender é a principal forma de estabelecer boas relações laborais de forma a aumentar nossa qualidade de vida no trabalho, intensificando nossa produção.

sábado, 10 de abril de 2010

Devolutivas de atendimento

Em minha última postagem, citei a devolutiva de atendimento.

A devolutiva é a ação de retorno do atendimento realizado com o cliente alvo a quem solicitou o trabalho. Geralmente, na psicologia escolar, direciona-se ao/à professor/a e aos pais, que são os personagens que mais solicitam auxílio para os/as alunos/as. Como nosso trabalho é marginal (contrastando com central) na escola e sutil (quase ninguém nota a produção) é extremamente importante que os demais profissionais da escola, principalmente os professores, saibam que o atendimento está em andamento e quais foram as conquistas. Assim, a devolutiva é individual, mas deve haver retorno para o grupo de forma a apresentar a produtividade laboral evitando comentários maldosos, desnecessários de colegas ignorantes.

Considerando que uma escola pequena deve ter cem alunos e uma grande 1500, é extremamente importante anotarmos organizadamente os nomes dos alunos que nos foram encaminhados, por quem foram encaminhados, quando e por quê. A devolutiva deve ter estes itens como norteadores. Deve conter as ações tomadas, incluindo as frustradas (detalharemos em seguida), os avanços percebidos por nós, pelo/a pequeno cliente, pelos pais e pelo próprio encaminhante. Inicio as minhas devolutivas sempre questionando se houve mudança no comportamento foco da queixa na visão de quem encaminhou. Em seguida, aponto as ações conforme anteriormente citadas. É importante indicar as tentativas de atendimento porque há casos em que buscamos atender determinado aluno, mas o dito faltou à aula no dia, está realizando uma avaliação ou está recebendo lição inédita (matéria nova) no momento de nossa abordagem. Apesar de ser óbvio, digo que estas são ocasiões em que a pessoa que auxilia (psicóloga/o) não pode interromper a atividade principal do órgão (ensino: aprendizagem e avaliação). Nossa atuação é, então, interditada e fica suspensa até nova oportunidade, que pode ser no mesmo dia ou não.

A devolutiva não significa que o atendimento foi encerrado, ao contrário, informa que houve o primeiro contato com o alvo do encaminhamento e que surtiu ou não efeito. Muitas vezes, é na devolutiva que percebemos o efeito do nosso trabalho. Muitas vezes tive gratas surpresas, com agradecimentos fervorosos, enquanto cria que minha intervenção não havia incentivado qualquer mudança.

Em casos muito complexos, as devolutivas (sim, no plural) também têm função de acalmar as pessoas fontes da indicação mostrando-lhes passos dados na direção desejada. Atendi um caso que há muito angustiava nossa escola. Minha intervenção foi incisiva com encontros sistemáticos duas vezes por semana, uma em grupo e outra individualmente. No terceiro atendimento já se podia notar mudanças fortes no comportamento da aluna (K.). Obviamente ela não havia se tornado uma aluna exemplar e ainda estava longe disso. Mas como sempre dizemos, nossas varinhas de condão não estão funcionando. Mostramos então os avanços e informamos no que nos fixamos em várias reuniões particulares e coletivas com profissionais da escola e com a mãe da aluna. O primeiro efeito foi a permanência de K. em sala de aula, pois ela sempre arranjava uma desculpa para sair da classe e seu retorno ocorria sempre com escolta. Seu rendimento escolar já se mostrava comprometido daí. K. contava com uma liderança bastante aguçada e usava sua capacidade desorganizando os colegas, desconcentrando-os e desestruturando as professoras através de xingamentos a alunos do outro lado da sala, solicitação de favores descabidos, cantadas em colegas do sexo oposto, mentiras proferidas em tom de voz alta, subtração de objetos de professoras e colegas, entre outras ações. Fazer esta criança prestar atenção na aula exigiu passos lentos em direção a uma adaptação mínima de K. às regras da escola. Durante meses, em todas as reuniões de coordenação de professoras oferecemos retorno dos atendimentos a K. de forma a aumentar a paciência das docentes para lidar com ela. Acrescentamos que o comportamento perturbador de K. abrangia todos os servidores da escola que sentiam por ela pena ou antipatia total devido a seu costume de tudo pedir, sem cessar, além da sexualidade exacerbada. Bem, não acredito em um/a psicólogo/a que pudesse resolver o caso K. com rapidez ou totalidade, conforme o desejo das professoras.

Os avanços obtidos devem ser anunciados e comemorados para fortalecer a continuidade do atendimento ou do acompanhamento oferecido aos alunos. Nós, psicólogas e psicólogos, sabemos dos nossos esforços em direção a objetivos traçados pelos nossos clientes e seus encaminhadores. É fundamental que marquemos nossos ganhos frente aos outros profissionais. Friso esta questão devido a sutileza e a falta de entendimento sobre o impacto real do nosso trabalho sobre as atividades em uma escola. É importantíssimo que saibamos defender nossa área frente as demais para que a psicologia escolar seja reconhecida como necessária e consagrada socialmente.

Também devemos cuidar para não promover mudanças que nós consideramos importantes para os outros, mas perceber quais são os objetivos de quem tratamos e nos fixar neles. Também não é interessante trabalharmos para adaptar pessoas à máquina social de forma mantenedora do status quo. Devemos usar nosso treinamento em clínica para detectar a direção que devemos imprimir ao tratamento de forma a usarmos nossas técnicas em benefício do cliente em detrimento do desejo institucional, social ou parental quase sempre esmagador em qualquer outra instância, mas que deve ser cuidada na seção psicologia. Principalmente quando nossos clientes são tão frágeis como crianças de baixa renda, como as que ora assistimos.

Nosso trabalho se encerra quando atingimos o objetivo traçado pelo nosso cliente. É preciso saber se as mudanças são desejadas por ele/a, se concorda com os caminhos que sugerimos e se percebem as transformações em direção à meta final. Essa finalização deve ser devolvida para a pessoa que indicou inicialmente o/a aluno/a para nós de modo a apresentarmos sua evolução e conseqüentemente nosso trabalho bem feito, cuidadoso, delicado e sutil. Infelizmente, nossa área está em construção e nós devemos cuidar para consolidá-la, mostrar sua importância para que não mais ocorram intromissões em nosso setor de atuação por outros profissionais (favor consultar a postagem Projeto de Lei 3512 de 2008, de janeiro de 2010).

Quando começa o atendimento psicológico

Existe alguma discussão sobre quando começa o atendimento psicológico?

Em meu trabalho na escola considero que meu atendimento começa quando o/a professor/a fala sobre o/a aluno/a. Isto porque há escuta da questão que angustia a/o profissional. A recepção de sua demanda, o detalhamento da sua visão do problema e sugestões de ação frente ao caso já ocorrem neste primeiro contato.

De forma equivalente, ao receber pais de alunos/as que buscam meu atendimento diretamente, ouço sua demanda e realizo orientações já no primeiro contato, mesmo antes de conhecer a criança ou o/a adolescente em questão.

Esse questionamento nunca havia me passado como fonte de discussão até um dia quando iniciei um atendimento e antes de ver a aluna foco, a professora a encaminhou para uma colega psicóloga que atua na nossa escola em outra função.

Senti-me, então, desrespeitada e o expressei verbalmente para todos os personagens envolvidos. Houve então o questionamento de que meu atendimento não havia começado ainda.

Passei a considerar o início do atendimento na clínica, setor da psicologia socialmente respeitado e já consagrado. O encaminhamento a um/a psicólogo/a por quaisquer profissionais ou leigos em geral se faz com a indicação da necessidade do serviço. Conforme a pessoa indicada sente vontade ou angústia bastante, busca um nome, um profissional com referência para efetivar o contato. Depois desta procura, ocorre o contato propriamente dito e, a partir deste, marca-se a primeira consulta. Este primeiro encontro é tão importante e cheio de sutilezas que alguns psicólogos não o cobram monetariamente e há capítulos e artigos científicos dedicados a ele. Cada uma destas etapas é estudada por teóricos e há amplas discussões sobre as resistências que devem ser quebradas e o que se pode fazer para auxiliar as pessoas a vencê-las.

O profissional clínico, entretanto, encontra-se em um espaço físico e psicológico distante do ambiente corriqueiro do cliente. O estatus social do psicólogo e sua representação social fazem dele um personagem distante. Este fato tem forte impacto sobre as resistências acima indicadas.

O psicólogo escolar está presente nas escolas. Defendo a postura do nosso envolvimento direto nas atividades e decisões do cotidiano escolar. Essa posição faz com que a clássica distância do/a psicólogo/a se desfaça, perdendo seu sentido e suplantando a necessidade de quebra de resistências. Por este motivo, sempre estou com as professoras durante o recreio, compartilhando seu momento de relaxamento entre as aulas, participo de todas as reuniões de coordenação oferecendo minha opinião teórico-profissional e pessoal. No caso da opinião teórico-profissional, para mostrar as possíveis contribuições da nossa área para os demais educadores, de modo a registrar a necessidade da psicologia escolar e seu auxílio potencial nas escolas e/ou no trabalho em sala de aula. Quanto à opinião pessoal, a instituição em que trabalho possui nuanças que, conforme nos posicionamos, somos mais ou menos respeitadas profissionalmente pelas demais colegas. São casos de decisões institucionais, engajamento em luta por melhores condições de trabalho, envolvimento com movimento reivindicatório, incluindo greve. Este fenômeno deve ser observado em outras organizações, mas por ser uma psicóloga técnica somente respondo pela minha experiência.

Uma vez estando envolvida com o corpo de profissionais, a chegada de questões laborais que podem ser beneficiadas com a nossa intervenção passa a ser natural. Desta forma, realizo meu trabalho de higiene mental, cuidando do corpo de servidores de toda a instituição de forma a evitar doenças laborais e, consequentemente, o absenteísmo por falta de saúde física, emocional ou por desmotivação.

Voltando ao nosso paralelismo com a psicologia clínica, consideramos o início de atendimento a uma criança ou adolescente o primeiro contato com os responsáveis por ele/a que nos traz a demanda. Uma vez ouvida a demanda, inicia-se o atendimento, mesmo antes do primeiro contato com o pequeno. De forma equivalente, na escola, uma vez ouvida o/a profissional ou o/a pai/mãe que encaminha o/a aluno/a, o atendimento já se inicia.

Infelizmente, durante a resolução do caso na escola, não tive o tempo de que disponho aqui para argumentar e demonstrar meu raciocínio e entendimento.

Deixo claro, então, que, em minha opinião, um atendimento psicológico inicia-se quando se recebe o caso de fonte envolvida e que possibilita um compromisso, um contrato de trabalho específico e para o qual se realizará, em breve, uma devolutiva.

5000

Caro/as leitores/as,

estive sem acesso a internet nestas últimas três semanas e sequer registrei o alcance de 5000 acessos.
Faço-o agora!
Peço desculpas pela demora em postar novas questões.
Apresento-me, como sempre, agradecida pela frequencia e estímulo!

Vicenza Capone

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Utilizando a técnica da leveza

No início deste ano recebi a visita de um aluno muito querido. Ele não estuda mais na escola e eu estava com saudades dele. Esse aluno, que aqui chamaremos de K., é muito inteligente e perspicaz. Possui uma liderança competitiva e isto dava um pouco de trabalho para as professoras da escola que tinham que ser firmes na imposição de limites. Uma vez demarcados, K. não mais os ultrapassava. Isso também aconteceu comigo, quando ele chegava em minha sala queria ser atendido imediatamente. Quando começou a me atrapalhar, indiquei o que estava acontecendo e como seu comportamento prejudicava meu trabalho. Não foi necessário repetir.

Eu o atendia por solicitação dele próprio. Seus atendimentos eram longas sessões de lamúrias. Ele contava detalhes de brigas sem sentido com a mãe. Ela, pelos relatos dele e depois pela própria fala dela, parecia-me uma pessoa bastante imatura, que não colocava as regras claramente e que as mudava conforme sua vontade. K. terminava por não saber o que, quando, com quem ou como fazer qualquer coisa.

Muito carismático e dengoso, K. usava sua inteligência para manipular as pessoas. Além disso, usava as palavras de seus interlocutores contra eles mesmos. Usava tudo isto com sua mãe e seu padrasto de tal forma que os deixava sem argumentos e impacientes. A frágil estrutura familiar ruía sempre sob seu discurso para o qual nenhum dos dois adultos apresentava resposta. Creio na superioridade da inteligência e da maturidade de K. sobrepujando seus responsáveis.

Durante seus atendimentos, eu tomava cuidado para não demonstrar que ele parecia mais consciente e dominador das situações de conflito. Sua sensatez e entendimento dos eventos e da dinâmica familiar eram demonstrados pelos detalhes que apresentava das situações logo confirmadas pelo discurso materno. Caso eu demonstrasse para ele sua superioridade, sua forte personalidade não mais encontraria limites numa família tão frágil. Pelo menos é o que eu cria.

Depois de alguns dias de aula, K. apareceu cedo na escola pedindo para falar comigo. Notei que seu rosto estava inchado, mas pensei que fora devido a proximidade com a hora de seu despertar. K. me contou que por uma motivo ínfimo, seu padrasto havia batido violentamente em seu rosto. Ele resolveu tomar providências policiais, mas fora impedido devido a sua menor idade.

Em contato com a mãe, esta me disse que K. era muito irritante e que sempre avisou sobre a possibilidade de tal ocorrência. Não fiquei estupefata porque já a conhecia. Mesmo numa situação limite como essa, a mãe defendeu seu esposo. Também enfrentava uma crise laboral e mencionando-a a mim, afirmou que K. não poderia prejudicá-la e que ele não estava sequer pensando nela.

Relato este caso para acrescentar os exemplos de pessoas que lutam por saúde mental em seus lares psicotizantes. Há bastante tempo já acreditava na força do ego de K. que se mantinha altivo apesar das mudanças comuns de regras, de perdas de benefícios e atividades de lazer e do despotismo de seu par parental. K. auxiliava nas tarefas de casa, inclusive cuidando dos irmãos menores e nunca teve problemas na escola – nota ou comportamento.

Desde a minha primeira reunião com sua mãe, percebi a quantidade de ações ambíguas, sua imaturidade e a fraqueza do esposo para organizar o lar. Infelizmente, enquanto psicólogos/as não podemos informar todas as incongruências que nossos clientes cometem. Nesses casos, corremos o risco do cliente não mais voltar para o tratamento ou de considerar-nos insanos/as. Quando tenho pais de alunos/as com este perfil, estudo que comportamento a pessoa que atendo pode mudar com o menor sofrimento. A esta técnica chamo leveza. Dessa forma, o indivíduo consegue mudar e perceber a melhoria em sua vida. A partir daí alcanço a adesão ao tratamento. Nas visitas seguintes vou selecionando novos comportamentos que podem ser transformados sempre explicando à pessoa como tal atitude nova pode facilitar sua vida e mudar a dinâmica familiar.

Usei esta técnica com a família aqui estudada e tive bons resultados. Porém, tentei atingir o padrasto através da mãe e malogrei. Nosso aluno informou-me que sua vida estava bem mais calma quando saiu da escola. Seu retorno deveu-se a não evolução de sua família ou a uma resistência na mudança – talvez um retrocesso depois de um avanço. Infelizmente será difícil determinar o que realmente ocorreu neste momento, pois perdi o contato com K. Para mim uma grande perda porque foi uma pessoa que me ensinou muito com seus conflitos e também fora deles.

Há outro caso de sucesso meu que relatei aqui (vide Um caso de indisciplina severo). Neste caso também ouve retrocesso. A técnica utilizada era completamente diferente e se focava no comportamento do aluno (L.) e no fortalecimento da consciência de seus atos. Seu problema era agir e não reconhecer os efeitos como sendo seu sujeito, mesmo que testemunhas o apontassem. Apesar de parecer insanidade e de todos os demais profissionais da escola não acreditarem no que eu dizia, creio que L. realmente negava sua ação tão veementemente que desligava o ato de sua produção. Seu sucesso acadêmico e sua mudança comportamental foram imensos em dois meses. Porém, houve uma queda na seqüência e L. não mais aceitou que eu o acompanhasse impossibilitando o reconhecimento dos motivos do retrocesso. Esse recuo não significa dizer que o sucesso foi temporário ou tênue. Na verdade, acredito que houve mudança no comportamento de L. e que ele dispõe dos benefícios da transformação operada.

Assim, apesar da tristeza em me deparar com K. machucado e extremamente magoado com sua família e as reações das pessoas amadas, creio que auxiliei no desenvolvimento deste grupo de pessoa. Principalmente, acredito que influenciei positivamente K. no sentido de ter mais paciência com as pessoas que não têm o raciocínio tão rápido quanto o seu e de não tirar proveito delas.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Taare Zameen Par: Every Child is Special (Como Estrelas na Terra: toda criança é especial)

Artistas, de uma maneira geral, conseguem captar a alma humana com mais transparência que nós, psicólogos/as. Filmes, romances, pinturas, fotografias mostram muito de personalidades, maneiras de viver, costumes sociais e familiares com muita profundidade. Uma de minhas professoras da faculdade ensinou-nos a perceber costumes através de romances e novelas. As novelas brasileiras, principalmente, trabalham com costumes recentes e formam opinião sobre questões sociais.

Obras de arte podem ser utilizadas por nós como instrumentos de acesso a questões que precisam ser trabalhadas na escola. Tenho muito interesse em filmes de curta metragem, porém nosso acesso a eles não é muito facilitada. Isto deve mudar com o u-Tube, mas confesso que tenho pouca familiaridade com este instrumento. Quanto aos de longa-metragem, é necessário muito tempo para trabalhá-los. Mesmo assim, são muito utilizados na formação de profissionais e nos debates entre os já formados em atuação.

Toda esta introdução foi criada para eu falar de um filme que trata de dificuldade de aprendizagem.

Trata-se de Taare Zameen Par: Every Child is Special, em português Como estrelas na Terra: Toda Criança é Especial. É um filme indiano primoroso. O filme não foi lançado ainda no Brasil e nem distribuído em DVD. Mas há quem se ocupe de trazer este filme em particular e outros obras indianas de igual porte. Tem sido divulgado no Brasil através de download, mas ainda não consegui o endereço.

Vamos ao filme. Ele mostra como uma criança normal pode ser atrapalhada por dificuldades motoras e disfunções no processamento de informações que prejudicam o processo de aquisição de leitura e escrita. Apesar de curiosa e alegre, a criança não é compreendida em suas dificuldades e não sabe como solucionar os problemas que os adultos lhe apontam. Entra em grande sofrimento, pois tudo que tenta como solução lhe rende mais problemas ainda. Como estrelas na Terra mostra esta questão escolar com grande sensibilidade e profundidade. As dificuldades enfrentadas pela família desorientada, assim como a escola costuma lidar com a situação e o principal sintoma da criança também têm lugar no filme.

Buscando o endereço para disponibilizar o filme aqui, encontrei um sítio que foi construído com o objetivo de trazer Como estrelas na Terra para os cinemas brasileiros. É elaborado pelo Sr. Ibirá Machado e deve ser visitado devido à riqueza de informações que disponibiliza. O sítio é

http://cinemaindiano.blogspot.com/

e traz detalhes dos atores, diretores, produtores, pólos de produção cinematográfica da Índia, filmes, propagandas.

Solicito que acessem a sinopse que o Ibirá escreveu, de modo a dar-lhe o crédito devido a seu esforço cultural. Em seu sítio poderão assinar um abaixo-assinado para trazer o filme para os cinemas brasileiros, além de contribuir com uma campanha de alimentação para crianças desfavorecidas da Índia. A primeira postagem fala do filme e a segunda é uma crítica que Ibirá escreveu sobre ele (esta acrescenta informações que melhoram a compreensão do filme).

http://cinemaindiano.blogspot.com/2008/06/taare-zameen-par.html
e
http://cinemaindiano.blogspot.com/2008/06/como-estrelas-na-terra.html

Enquanto procuro o endereço para baixar o filme, ajudemos o Ibirá em seu esforço de trazer essa fantástica obra para o Brasil, assinando o abaixo-assinado já referido. Conto com vocês!

sábado, 30 de janeiro de 2010

Projeto de Lei 3512 de 2008

Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei (PL) de regulamentação da Psicopedagogia como profissão da Deputada Professora Raquel Teixeira. São oito artigos que indicam direitos dos profissionais que atuam em psicopedagogia e deveres também relacionados ao exercício da profissão. Falta os deveres da profissão, conforme apontou a relatora do PL na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público, Deputada Gorete Pereira, em seu voto.

A justificativa para aprovação da lei versa sobre o fracasso escolar e seu magnitude apontada nas estatísticas da educação brasileira. O psicopedagogo é visto como o profissional que tem condições de resolver a situação. Como o PL é de legislatura anterior e foi resgatado pela referida deputada, ela menciona o primeiro autor, o então Deputado Barbosa Neto, e utiliza sua justificativa que aqui é apresentada em parte:

“A escola, que deveria ser local de promoção do desenvolvimento das potencialidades de todos os indivíduos, torna-se, para muitos, palco de fracassos ou de desenvolvimento insatisfatório e precário.

Esse quadro exige uma urgente revisão do projeto educacional brasileiro, de modo a melhorar a qualidade do que se ensina e de como se ensina; do que se aprende e de como se aprende. Essa situação só poderá ser enfrentada se o processo de aprendizagem for analisado sob uma perspectiva que considere não só o contexto social em que esta prática se dá, mas simultaneamente com a visão global da pessoa que aprende e de suas dificuldades nesse processo.

A resposta para tal desafio é a prática psicopedagógica. (sic) exercida por um profissional especializado, o Psicopedagogo, cuja atuação visa não apenas a sanar problemas de aprendizagem, considerando as características multidisciplinares da pessoa que aprende, buscando melhorar seu desempenho e aumentar suas potencialidades de aprendizagem.

Tendo adquirido conhecimentos multidisciplinares e manuseio de instrumentos psicopedagógicos específicos que lhes permitem uma atuação eficaz junto aos alunos, os Psicopedagogos são, hoje, os profissionais que apresentam as melhores condições de atuar na melhoria da forma de aprendizagem e na resolução dos problemas decorrentes desse processo.

Na relação com o aprendiz, o Psicopedagogo estabelece uma investigação cuidadosa, que permite levantar uma série de hipóteses indicadoras das estratégias capazes de criar a situação mais adequada para que a aprendizagem ocorra.”

Mesmo tendo estudado todo o PL para elaborar um parecer técnico a pedido do Conselho Regional de Psicologia da região 01, não identifiquei no documento as ações específicas deste profissional.

O campo de aprendizagem e seu estudo são objeto da psicologia. Não creio que haja discenso a respeito desta questão. Por que, então, ter lugar o chamado para outro profissional contribuir nela?

Analisando a justificativa de regulamentação temos a culpabilização do aluno por seu fracasso escolar, idéia já tão discutida e combatida pela psicologia escolar. É a criança que está no centro da problemática, aparentemente como vítima.

A expressão “exige uma urgente revisão do projeto educacional brasileiro” tem como resposta a criação de mais uma profissão. Um profissional vai resolver o problema que professores, pedagogo, gestores, pais, psicólogos, orientadores educacionais não conseguem resolver na escola e que especialistas sociólogos, antropólogos, pedagogos, psicólogos, filósofos, pesquisadores da educação não conseguem resolver nas secretarias municipais e estaduais de educação e ministério?

Este profissional é chamado a sanar os problemas de aprendizagem e melhorar o desenvolvimento e aumentar o potencial dos indivíduos na escola.

Este é o ponto que gostaria de chamar atenção.

É óbvio, para quem é realmente educador, que não é a entrada em cena de um novo ator, que mudará o roteiro da peça. Não acredito que um psicopedagogo na minha escola alterará a “produção” do fracasso escolar. Tenho trabalhado com pedagogas especialistas em psicopedagogia que, apesar de sua competência profissional, não sabem o que fazer em determinadas situações e, principalmente, não sabem lidar com o principal ator do processo ensino-aprendizagem, a saber o professor. Não conseguem expor inteligivelmente ao professor as questões que viram na relação do aluno com o objeto de saber. Os psicopedagogos já estão atuando e seu surgimento – na década de 90 – não provocou impacto algum nos índices de fracasso escolar.

O que mais me aflige é que problema de aprendizagem é assunto da Psicologia. Será que nós, psicólogos, temos alguma dúvida quanto a isto? Assim, questiono nossa atuação nas escolas e nas clínicas. O que estamos fazendo, ou deixando de fazer, que permite que um grupo (grande) de pessoas resolva fazer o nosso trabalho?

É justamente por ver tantos profissionais achando que podem fazer o nosso trabalho nas escolas que proporcionou a criação deste blog.

Nosso trabalho é muito importante, necessário e sério. Assim deve ser encarado e realizado junto aos demais profissionais da educação para que estes percebam nosso espaço e respeitem-nos. E o respeito refere-se a não tentar fazer o que é nosso e esperar nossa atuação correta. Não há como provocar isso apenas com palavras e textos escritos. Devemos atuar com a responsabilidade da estabilização da Psicologia Escolar enquanto profissão.

Nas escolas em que atuei, os demais educadores não sabem o que um psicólogo escolar faz. Esperam que façamos clínica dentro da escola. Quando digo que tal ação é vetado legalmente, eles caem em um vazio, não sabem quem devem encaminhar para mim e se assustam quando peço para entrar em suas classes.

Vejo que há espaço a ser ocupado e não estamos competentes o bastante para fazê-lo. Outros grupos também vêem o espaço e querem ocupá-lo.

Há também a questão de que as escolas, públicas e particulares, estão fechadas para nós. Com a desculpa de parcos recursos, não somos contratados. Creio que esta profissão não está estabelecida plenamente a ponto dos gestores não perceberem nossa importância. Nossa atuação profissional responsável, focada na construção desta área, embasada teoricamente, juntamente com o apoio do Conselho Federal de Psicologia e dos Conselhos Regionais poderão responder a comunidade educacional qual é o nosso papel nas escolas e na educação não sendo necessário mais ninguém para resolver os problemas de aprendizagem que têm solução nas escolas.

Reformas educacionais são necessárias sim, não com “novos” profissionais, mas com ações reais, fortes e impactantes desde o nível ministerial até as secretarias municipais e boas gestões administrativas escolares. Educação não é brincadeira.