sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Dificuldade de aprendizagem

Há alguns anos atrás, as crianças que não aprendiam como as outras eram submetidas a exames médicos para se saber o que havia de errado com elas. Quando os exames não ofereciam nenhuma resposta, nenhuma justificativa para a dificuldade de aprendizagem, os médicos diagnosticavam Disfunção Cerebral Mínima. Quer dizer, o comportamento aponta que há algo errado no cérebro, mas os instrumentos construídos pelo homem ainda não conseguem detectar.

Essa desculpa para o insucesso escolar não se sustentou por muito tempo. Hoje temos o Transtorno de Déficit de Atenção com ou sem Hiperatividade. Além dele, temos também o Déficit no Processamento Auditivo Central. Este último é uma deficiência bem mais nova. Digamos, uma doença recente. Vamos analisar cada uma destas "doenças".

Hoje, a vida urbana é extremamente rápida, cheia de estímulos, insegura, superlotada. Voltamo-nos para dentro de casa, para nos protegermos e nos distraímos com uma grande quantidade de equipamentos modernos. Desnecessário é citá-los. Nossas crianças, que nem imaginam o que é um peão ou como brincar com ele, vão para a escola e encontram uma pessoa na frente de uma parede verde ou branca que fala durante quatro ou cinco horas todos os dias apontando um livro. Quanto interesse será que essa figura pré-histórica suscitará no pequeno?

Para sustentar esta vida cheia de equipamentos novos que devem ser comprados para garantir a felicidade familiar, mães e pais precisam trabalhar durante todo o dia. A educação fica a cargo de uma pessoa cuja história e princípios não são questionados durante a contratação. As babás e secretárias do lar são responsáveis pela educação doméstica. Isso não é moderno. Aliás, isso me parece setecentista. Sabemos o quanto o nosso jeito de ser é africano e, particularmente, ligo isto à nossa raiz escravista. Este sistema impossibilita uma educação firme e efetiva porque não pode ser dada por uma pessoa de fora da família. Quem não é pai ou mãe tem permissão para falar com firmeza à criança. A família não habilitou a babá para fazer isso. A empregada, então, cuida para que as crianças não se machuquem e se alimentem nos horários corretos. Passar disso poderia ser interpretado como intrusivo ou até agressivo. Philippe Ariès demonstra em seu A história Social da Criança e da Família o quanto o cuidado e a educação das crianças foi delegada a pessoas incapazes ou pouco estruturadas.

Aos seis anos de idade a criança segue então para sua institucionalização obrigatória. É lá que se iniciarão os problemas. Muitas crianças chegam à escola com seu diagnóstico fechado pelos próprios pais. Conheço um pai que afirmava que seu filho de apenas dois anos era hiperativo e que gostava disso, pois todo hiperativo é bastante inteligente. Que pensamento frugal.

Na verdade, grande parte das crianças denominadas hiperativas são mal educadas. As entrevistas com pais de alunos mostram isso. Os adultos não se sentem competentes para ensinar os pequenos e lhes dão tudo o que pedem. Ao menor sinal de desgosto, contrariedade ou chilique, os pais oferecem rapidamente satisfação. Infelizmente, não sabem que um ser humano com plena satisfação de seus desejos não cresce e tende à corrupção. Facilmente estes filhos se tornam déspotas e dominam os adultos. É comum orientar pais que afirmam não saberem como educar os filhos e pedirem auxílio neste sentido. Devido a quantidade de casos com estas características, somente oferecemos a possibilidade de diagnóstico de TDAH quando não há qualquer mudança de comportamento uma vez oferecido o limite necessário pelos pais e professores.

As crianças hiperativas não são compreendidas nas escolas. Ensiná-las é difícil porque não se intimidam em expressar, diretamente ou através de seu comportamento, que não querem ser ensinadas com o método proposto. Seu pensamento é agitado, rápido e extremamente vigilante. Atentam-se para todo e qualquer estímulo, mas por pouco tempo. Têm a atitude exigida para os executivos modernos: atenção flutuante, ação constante, agilidade de pensamento, perspicácia com novidades do mercado. Nosso sistema educacional não está preparado para tais crianças. Nosso método é antigo, ultrapassado. A medicina auxilia a educação dopando as crianças para que, mais calmas e centradas, consigam suportar a aula e aprender lentamente. Tornam-se então um problema de saúde ao invés de instigarem a mudança do sistema educacional.
Quanto ao Déficit do Processamento Auditivo Central (DPAC) – também chamado deficiência, transtorno ou distúrbio – trata-se da dificuldade em decodificar as informações sonoras quando as estruturas do aparelho auditivo não revelam nenhum problema. Alguns se referem a uma surdez sem razão estrutural. Funcionalmente a pessoa não escuta.

Muitas mães diagnosticam este problema em casa quando chamam seus filhos várias vezes e quando se cansam vão perto da criança e lhe dizem o que querem. Cansadas, afirmam “esse menino parece que não escuta!” Coisa mais antiga! A audição está ótima, a compreensão do que têm interesse também não é prejudicada, mas, quando a gente precisa de alguma coisa, o ouvido não funciona. Os comerciantes fazem isso desde o início de sua profissão. Não escutam reclamações, mas sim pedidos e elogios. Quantos de nossos alunos têm ouvidos de mercador? Com um laudo médico de DPAC deixam de ser exigidos.

Quanto estes diagnósticos podem ser prejudiciais ao desenvolvimento de uma criança?
“Se um aluno tem DPAC, não se deve esperar que ele escute.” “Caso nosso aluno tenha TDAH, não adianta querer que ele dê atenção ao que dizemos.” “Não temos preparo para educar um aluno com um laudo destes e sequer recebo para isso.” “Afinal de contas, somos profissionais da educação e não da saúde.”

Há um grande risco na medicalização do ensino. Denuncio aqui a extensão que esta ação tem tomado em nossas escolas. Cada vez mais há doenças na população infantil. Nossos alunos devem ser ensinados, mesmo que estejam doentes. Transtornos, déficits, deficiências, distúrbios, doenças, síndromes não são desculpas para o desenvolvimento não acontecer. Esses termos não são escolares, nem educacionais ou pedagógicos. Enquanto profissionais da escola nós, psicólogos, devemos estar alertas para fazer o serviço de saúde e de orientação sem nos deixar iludir ou paralizar por estes laudos. Nossa função é alertar e apoiar o corpo docente a realizar o trabalho criativo de que são capazes, forçando o limite de cada criança e provocando seu crescimento.

Transtorno, dificuldade, distúrbio, problema de aprendizagem não devem ser resolvidos com laudos médicos, fonoaudiológicos, psicológicos. Devem ser superados na ação responsável e competente dos profissionais da educação!