quarta-feira, 18 de maio de 2011

Novo tipo de autismo?

Gosto muito de inquietações e provocações. Creio que todas as profissões possibilitam interseções de atuações profissionais de tempos em tempos. Já expus aqui que trabalho com variados profissionais e nesta oportunidade falo da psiquiatria.

O órgão onde trabalho trata de avaliar alunos com objetivo de melhor adaptar a escola a suas idiossincrasias. Estas, por sua vez, devem estar previstas pela medicina para tanto. Aqui se faz a minha questão que vos apresento.

Temos três casos de alunos que não apresentam comportamento comum aos demais de sua idade, porém não se enquadram nos grupos de síndromes já catalogados pela ciência, ao que indica a dificuldade dos psiquiatras consultados pelas famílias em oferecer-lhes um diagnóstico.

Meus alunos apresentam segurança em si mesmos a ponto de não se intimidarem quando os adultos lhes indica que nenhuma outra criança faz o que ele está fazendo. Não apresentam linguagem compreensível ou qualquer angústia em relação a isto. São inteligentes, mas seu aprendizado se faz de modo diverso ao dos pares. Não há comportamento compulsivo. Apresentam interesses estranhos mas não são restritos. Lidam bem como os colegas, mas sua socialização é seletiva, não se envolvem muito. Brincam normalmente mas quase sempre sozinhos. São muito carinhosos e até dengosos. As outras crianças os respeitam, gostam deles, não insistem muito no contato caso não haja retribuição, não se deixam afetar por seu movimento totalmente descabido em sala de aula (claro que sob orientação da docente).

Estas crianças não apresentam comportamento compatível com transtorno global do desenvolvimento, não são deficientes mentais, não há problemas na audição, não são hiperativos nem têm problemas de atenção, não há transtorno afetivo tampouco.

Uma destas crianças é acompanhada por um conjunto de cientistas psicólogos na universidade. Sua mãe nos relata que os cientistas indicam ser desnecessário a rotulação dos sintomas da criança. Imagina se eu falo isso para minha chefe!

Estou expondo estes casos aqui porque em um universo de mil alunos, três é um número bem grande. Devo acrescentar que dois tem quatro e um tem cinco anos de idade. Não creio ser minha a função de pesquisar ou criar um novo nome para o que estas crianças apresentam.

Uma coisa eu e minha parceira pedagoga e psicopedagoga temos certeza, nossa instituição terá que inventar uma nova forma de atender estas crianças porque é função do estado oferecer educação e o que nós estamos oferecendo elas estão recusando.

Creio que meu objetivo de inquietação foi atingido. Informo ainda que as questões que a prática impõem são expostas neste blog para potencializar a formação dos futuros psicólogos desde que curiosos e realmente vocacionados.

Livros lidos em 2011

Neste ano tenho escrito pouco e lido menos ainda.

A ciência da mente: a psicologia à procura do objeto - Luiz Pasquali
Nosso venerável professor tem como objetivo neste livro indicar como objeto da psicologia a mente. Pasquali é psicólogo, pedagogo, teólogo e filósofo. Nesta obra, ele apresenta-nos o desenvolvimento da matéria até o seu dito ápice: a mente humana. Faz isso com maestria, simplicidade e objetividade até o ponto em que chega na mente. A partir de sua posição sobre este objeto de estudo, Pasquali apresenta sua teoria da personalidade e finaliza seu livro com uma animada conversa sobre o que diríamos ser a mente suprema.

Passageiros do outono: reflexões sobre a velhice - Márcia Tolotti
Esta psicanalista e psicóloga apresenta sua dissertação de mestrado. Realiza um paralelo entre as falas de dez idosos e três obras literárias estudando-os conforme as categorias "contradições sobre o olhar social sobre a velhice"; o envelhecimento, reconhecimento e negação"; o valor do trabalho para o idoso, afastamento e substituição"; "o sujeito diante da morte". Pareceu-me bastante superficial e pouco profícuo.]

Cobras em compota - Índigo
A jornalista Índigo escreve desde os treze anos de idade. Seu estilo é único, jocoso e ágil. Um texto inteligente, sobre fatos e imaginações cotidianas, para divertir e incentivar a leitura. Ganhador do concurso Literatura para todos na área de contos do Ministério da Educação. Dessa vez os servidores do ministério acertaram!

Viagem solitária: memórias de um transexual trianta anos depois - João W. Nery
João nasceu Joana. Sempre foi um homem aprisionado em um corpo feminino. Este livro nos mostra o drama vivido por uma pessoa que não se reconhece no corpo que carrega. Confesso que durante toda a leitura tentei me colocar no lugar do protagonista - coisa fácil para mim, psicóloga, trabalhamos com empatia - mas em momento algum consegui. Minha vivência com meu corpo é mais do que tranquila, além de ser feliz com o corpo que ganhei, ele está na moda. Leitura pungente, Viagem solitária é um livro que mostra as dificuldades impensáveis pelas quais passa um transsexual. Somente distantes podemos julgar qualquer ação dessas pessoas em relação ao seu próprio corpo. Leitura importante para repensarmos atendimentos de professores e pais a respeito da orientação sexual de seus aluna/os e filho/as.

A insustentável leveza do ser - Milan Kundera
Este livro, ao contrário do que pode parecer pelo sucesso do filme nele inspirado, não dispensa comentários. O livro mostra um retrato (real?) da República Tcheka nos anos que se seguiram a invasão russa que a incorporou à União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. As perseguições dos intelectuais, as humilhações que a população tcheka sofreu e os questionamentos existenciais de Kundera são o prêmio que recebemos com esta fluente leitura. A mim parece mais um documento indicativo que o comunismo não é o oposto do capitalismo. A vigilância denunciada aqui se parece com a caricatura desenhada em 1984. Assim como em Titanic e Dr. Jivago, o romance de quatro personagens serve de fundo para o anúncio que o autor faz sobre seu país.

Ciclo de Vida na Psicologia Escolar

Um psicólogo escolar não deve ser um especialista em desenvolvimento infantil. Deve estar preparado no ciclo de vida completo, posto que irá trabalhar e tratar com pessoas de todas as idades, inclusive com os humanos ainda não nascidos. Temos em nossas mãos mulheres grávidas – mães de alunos e professoras. Quem trabalha em escola sabe que sempre há alguém gestante entre as colegas.

Cuidamos dos irmãos de nossos alunos, que podem ser mais jovens, mais velhos que eles e da mesma idade – gêmeos ou irmãos de mães diferentes. Lidamos com irmãos que criam os nossos clientes e têm pouca idade, mas já bastante responsáveis por si mesmos e pelos pequenos. Devemos ter em conta que alguns pais e mães são ainda adolescentes, principalmente nos dias atuais em que se demora tanto nesta fase da vida.

Na etapa madura deveriam estar todas as pessoas em idade produtiva, segundo o IBGE. Não sei se todos concordam comigo, mas a maturidade chega para poucos. De qualquer forma, creio e assim ajo, devemos tratar como adultos aqueles que têm a dita idade conforme nosso instituto geográfico. Digo isso, porque o fato de serem tratados como adultos e responsáveis por outros seres humanos promove uma nova visão de si mesmos e do mundo. Este novo lugar possibilita uma ação diferenciada, mais coerente e mais madura, mais engajada com o desejável em relação aos nossos pequenos clientes.

Também trabalhamos com idosos. Estes nos chegam como avós e avôs que interferem na educação de seus netos ou que os criam plenamente. Os profissionais da escola têm uma visão preconcebida da educação de pais e de avós. Acreditamos que os avós já estão cansados e não têm a mesma energia dos jovens para oferecer limites ou mostrar o mundo às crianças. É claro que muitas vezes nos surpreendemos com alguns casos e, talvez estes sejam a demonstração de que a nossa teoria está errada. Devo assumir que mesmo surpresa às vezes, prossigo com minha crença compartilhada de que na terceira idade os interesses são outros e não abarcam a paciência de repetir a mesma lição até que esta seja absorvida ou finalmente modificada.

Temos oportunidade de trabalhar também com grupos – laborais e familiares – e devemos estar preparadas para observar, intervir, orientar e produzir conhecimento a respeito deles. Precisamos saber as etapas pelas quais passa um casamento e quais os efeitos de um novo ente na relação de um casal. Além disso, que efeito uma criança opera dependendo do tempo e do tipo de relacionamento têm os pais e se a gravidez é esperada, desejada, surpresa ou acidental.

Podemos desenvolver todos estes conhecimentos na nossa prática, mas convém usarmos o arcabouço teórico da nossa ciência para melhorarmos nossos atendimentos. Não saímos da faculdade prontos para atuar. Saímos com um mapa de onde poderemos encontrar as respostas para nossas perguntas. Como sempre digo: não podemos deixar de nos assombrar com o fenômeno humano. Devemos prosseguir buscando fontes e sendo fontes de conhecimento para aumentarmos a compreensão do nosso objeto de estudo. Além disso, o nosso melhor serviço depende da possibilidade que temos de nos oferecer a ele.