domingo, 23 de outubro de 2011

Brincadeiras naturais

Já falei aqui sobre o impacto de jogos eletrônicos sobre o desenvolvimento. Reintero minha opinião e acrescento que atividades que restringem o movimento corporal ou que não o promovem e estimulem, prejudicam o desenvolvimento psicomotor, o processamento visual e o auditivo.

A psicomotricidade relaciona-se aos sentidos cinestésico e vestibular. Sempre nos foi dito vulgarmente que o homem tem cinco sentidos. Mas a ciência acrescenta-nos ainda os dois acima relacionados. O sentido cinestésico refere-se à percepção que temos do nosso corpo em relação a si próprio. Mesmo sem utilizar a visão é possível saber onde estão braços e pernas, em que posição estão cada uma das mãos e pés. Com o sentido vestibular nos referimos à capacidade de ter consiciência do nosso corpo em relação ao solo. Neste, utilizamos o labirinto cujo líquido sofre influência da gravidade e receptores informam ao cérebro sua posição. Estes dois sentidos trabalham juntos informando o sistema central de forma a podermos nos movimentar ou permanecermos parados.

A coordenação de músculos e informações é estabalecida e fortalecida com o uso. Nascemos com esta capacidade, mas ela tem que ser desenvolvida. Um bebê apresenta movimentos des desordenados e cresce em direção ao auto-domínio. A movimentação coerente, ritmada, a boa mira, o alcance de objetos móveis, são aquisições no escopo da psicomotricidade. Pressionar, segurar um objeto e realizar movimentos determinados com ele também são da ordem da psicomotricidade. São ações necessárias para a escrita.

Aqui é possível perceber com muita clareza que várias informações devem ser coordenadas, analisadas e, posteriormente, utilizadas. Este raciocínio é fácil quando o foco é movimento, mas talvez não seja tão claro para visão e audição. A organização dessas informações é chamada de processamento. Talvez seja um paralelo com a teoria dos computadores.

Assim, temos o procesamento visual e o auditivo. Estes dois não se relacionam à área médica correspondente aos órgãos. Isto torna complicada a detecção de problemas, pois a nossa sociedade é centrada em defeitos clínicos e não funcionais, como é o caso do que tratamos aqui. Quando há problema, os pais levam os filhos aos médicos que detectam defeitos ou dificuldades e não encaminham os pacientes para outros profissionais.

O processamento visual é a junção das informações que vêm de cada olho. Se os olhos não focalizam a mesma coisa, temos um problema no procssamento. Isto ocorre, de forma simplificada, pela diferença de tônus muscular dos olhos. Sim, os olhos têm músculos que os fazem mover-se em todas as direções e os impedem de girar para trás. É fácil pensar que todos os movimentos que ocorrem ou podemos executar são realizados por músculos, sejam lisos ou estriados. Que me corrijam os especialistas no assunto. Temos trÊs pares de músculos em cada olho e eles estão sincronizados entre os dois olhos. A falta de tônus em um músculo de um olho já faz com que seu movimento não seja completo, provocando a distorção na junção das imagens.

Enfim, o processamento auditivo refere-se à decodificação dos estímulos elétricos traduzidos da vibração causada pelo som a nível cerebral. De forma simples, a informação não é compreendida quando há falha no processamento. Neste caso, temos uma surdez funcional. Clinicamente tem-se o aparelho auditivo perfeito. Suas funções e estruturas estão preservadas, mas, por algum motivo, o cérebro não decodifica suas informações.

Por que falo destes três elementos se no início da postagem referí-me a jogos eletrônicos? Porque as brincadeiras ao ar livre - subir em árvores, conhecer pássaros pelo canto e localizá-los, brincar com formigas, pular corda, brincar de bola, jjogar pique-pega, jogar bola de gude ou biloca (se preferirem), ouvir histórias, brincar de finca, bocha, fazer e soltar pipa, correr atrás de pipa voada, brincar de elástico, pular amarelinha, brincar de esconde-esconde, cabra-cega - proporcionam o desenvolvimento do processamento auditivo, visual e da psicomotricidade, necessários para uma vida saudável.

A busca de escolinhas de esporte pelos pais modernos é bastante saudável, eu assim o considero. Entretanto, os esportes direcionados e os jogos em X-box (bem melhores que os sedentários vídeo-games clássicos) não suprem em força, agilidade, diversão aprendizagem e prazer as brincadeiras "naturais". Basta pensar na localização de um fruto maduro, a observação do caminho para chegar nele, a subida na árvore (força, agilidade, raciocínio motor), o alcance da fruta, o desfrute saboroso do objeto conquistado, a nutrição biológica, psicológica e social resultante.

Parques, chácaras e acampamentos podem propiciar este desenvolvimento caso as crianças sejam estimuladas pelos pais. Digo isso porque não se deve esperar que uma criança criada em apartamento suba numa árvore assim que a veja ou reconheça uma fruta pelo pé. A insegurança das cidades faz com que a criação dos filhos se torne uma tarefa muito mais complicada do que outrora foi.

Deixo como sugestão para os pais que aproveitem esta indicação de atividade com os filhos para desestressar de seus problemas cotidianos. Pensem que os aparelhos e a indústria modernos já economizam muito do nosso tempo. Imagine quanto tempo deve ser gasto para se plantar, colher, secar, torrar, moer, coar para que finalmente se possa tomar um café. Este tempo economizado deve ser investido em seres humanos mais saudáveis. Ofereça exemplos de saúde ao seu filho.

E para você, psicóloga/o latente ou profissional, oriente o seu cliente a abandonar atos auto-destrutivos. Estimule o convívio com a natureza indicando com ações simples. Nossos corpos, intelecto, crianças e futuro agradecerão.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Utilizando jogos: Damas Chinesas

Este é um jogo muito pouco conhecido pelos brasileiros. Apesar de estar quase sempre disponível em caixas com múltiplos jogos, como o Clube Grow, não conheço ninguém que saiba suas regras entre colegas, pais e crianças.

Mais um jogo de tabuleiro que pode ser jogado entre duas até seis pessoas. Seu tabuleiro é uma estrela de seis pontas. Uma estrela de Davi. As pontas das estrelas são divididas de modo a formar um hexágono regular ao centro. Toda a estrela é pontilhada. Nas pontas deve haver dez pontos. Nestes pontos coloca-se peças (botões, tampas, tachinhas, moedas). O objetivo do jogo é levar os botões para o triângulo diametralmente oposto. Move-se as peças de pontos em pontos ou pulando-se as peças pelo caminho. Os pulos podem ser múltiplos e devem sempre ocorrer em linha reta, mas entre um pulo e outro pode-se angular. A internet disponibiliza este jogo, caso queiram visualizar, estudar as regras e/ou jogar.

Este é um exemplo de jogo cooperativo. Não há captura de peças dos oponentes. Pode-se pular peças próprias ou de outrem. Há movimentos de defesa, mas ao se preocupar com isso, perde-se muito tempo e, provavelmente o jogo. Apesar disso, ele ainda é um jogo competitivo, porque alguém ganha.

No Damas Chinesas é possível trabalhar bastante a estratégia. Crianças pequenas e deficiêntes mentais não conseguem pular longas distâncias sem estímulo constante. Mesmo quando se mostra a possíbilidade de fazê-lo, em outra oportunidade não há repetição. Assim, antes da capacidade de abstração estar iniciada, não há planejamento. Isto é facilmente perceptível neste jogo.

Trabalhamos neste jogo a observação da movimentação dos oponentes, a percepção de tempo disponível para agir, a perspicácia em perceber caminhos novos que os outros jogadores abrem, o planejamento, a ansiedade, a aceitação de ações dos outros que atrapalham o planejamento feito, o respeito pela vez do colega.

Em especial a ansiedade é trabalhada quando se percebe um caminho possível, mas não é o momento de agir ainda. É necessário esperar que todos joguem para atuar e quando é chegado a hora, muitas vezes o caminho visto já foi modificado. Então, é preciso refazer o plano. Crianças por volta de dez anos já demonstram sinais agudos de ansiedade. Neste jogo podemos mostrar a elas como controlar esta emoção danosa e indicar os prejuízos que dela podem surgir.

Alguns de meus alunos hiperativos demonstram maior contato com as atividades dos colegas do que com a sua própria. Eles dão sugestões do que os outros devem fazer mas não conseguem agir corretamente ou com aproveitamento. Enfim, são como Donas Fifis que se ocupam da vida alheia. Durante jogos coletivos este comportamento fica muito evidente. Em geral, expresso com voz suave a incoerência de seu ato. Digo claramente que devem criar estratégias para si e não para os outros, principalmente porque atrapalha o plano e a estratégia alheia. A voz suave é usada para contrastar com sua agitação habitual. A suavidade causa um choque que lhe chama a atenção para a informação. Após a primeira indicação, quando ocorre a repetição do comportamento indesejado, indico com uma interjeição em tom de voz grave de modo a lembrar-lhe o que foi corrigido.

Essa forma de agir, é absolutamente idiossincrática. Mostro aqui que coisas sutis, como tons de voz diferenciados e expressões faciais, são muito eficazes na mudança de comportamento.

Relembro que o objetivo das postagens sobre uso de jogos comerciais é a exposição da minha técnica de trabalho com alunos hiperativos e com problemas de aprendizagem.

Utilizando jogos: Xadrez

Prosseguindo em nossa análise de jogos para atendimento psicológico com enfoque nas demandas escolares, estudaremos o Xadrez. Antigo, percebido inicialmente como chato ou jogo para velhos pelos pequenos, depois que aprendem as regras eles ficam fascinados. E elas são muitas. Mas considero o Can can mais complexo que o Xadrez, embora mais fácil de jogar e de ganhar. O Xadrez é tranquilo para se jogar, mas difícil de ganhar.

Jogo tradicional, de tabuleiro e muito estético, um jogo de Xadrez montado é artigo de decoração. O encantamento dos meus alunos começam por aí. Eles respeitam muito aquelas pequenas esculturas. Talvez pensem que não é para eles. Dizem sempre que não sabem jogar e não se arriscam.

Aqui podemos começar a trabalhar a confiança da criança em nós e, em seguida, nela mesma. Como este jogo é considerado típico de intelectuais ou de classe social abastada, nossos alunos consideram-no difícil. Mostramos as possibilidades de usá-lo, ensinamos as regras e elogiamos sempre que acertam para fortalecê-los perante o objeto antes distante.

As regras são quase restritas ao movimento das peças. Os peões movem-se para frente, de casa em casa, exceto pelo primeiro movimento que pode ser duplo, conforme queira o jogador. As torres se movem por quantas casas se desejar, vertical e horizontalmente. Os bispos são movidos também por várias casas, mas na diagonal. A rainha une os movimentos da torre e do bispo. O rei movimenta-se como a rainha, porém casa a casa, como o peão. O cavalo movimenta-se em "L" e é a única peça que salta as outras. O objetivo do jogo é conquistar o rei adversário. Adquire-se as peças do oponente por substituição na casa e não passando-se por cima dela como no jogo de Damas. Se o peão chegar ao final do campo, pode-se solicitar uma peça adquirida pelo oponente de volta ao jogo, em substituição. Há o roque, uma jogada de defesa em que a torre não movida troca de lugar com o rei. No roque não pode haver nenhuma peça entre as duas que se movem. O roque pode ser pequeno e grande, a diferença se dá pela distância entre o rei e a torre. Deve haver mais jogadas especiais como o roque e a troca do peão, porém eu não as conheço e não utilizo com os alunos.

Aqui não é possível o jogo em grupo de alunos. Utilizamos vários tabuleiros e vamos supervisionando. Isto dificulta muito a interpretação dos eventos que surgem durante as jogadas. Entretanto, é possível trabalhar com dois ou três duplas se o objetivo é trabalhar a atenção, a concentração, o planejamento de ação, a previsão das jogadas do oponente, o respeito pelo momento do outro jogar.

Caso seja possível trabalhar com apenas um aluno, é possível provocá-lo com jogadas. A exploração de erros mostra-se como terreno fertilíssimo para interpretações clínicas. Durante o que se mostra como um jogo comum, se transforma na leitura fidedigna do que acontece normalmente na vida da pessoa. Como ele se coloca perante o mundo, como age frete a dificuldades, como lida com a distração dos outros, por exemplo.

Relatei um caso aqui de um aluno que eu quase sempre atendia jogando Xadrez (http://atuarpsicologiaescolar.blogspot.com/2009/09/um-caso-de-indisciplina-grave.html). Mostrei-lhe todos os seus comportamentos equivocados através de movimentos reais durante as partidas. Ele superou sua dificuldade de aprendizagem e seu comportamento infantil e irresponsável foi desvendado para ele mesmo. Assim foi possível avançar em seu desenvolvimento global.

Creio ser o Xadrez o jogo mais poderoso disponível para trabalhar planejamento de ação. É possível perceber quais são as futuras jogadas do aluno, dificultar sua ação, perceber se se distraiu de seu objetivo parcial, se está te distraindo para preparar outra jogada (L. sempre fazia isso, demonstrando sua inteligência e a minha falta de atenção).

Enfim, este jogo é muito frutífero. As estratégias de ação são muito variadas e as possibilidade de interpretação clínica também. Tenho muito sucesso com jogos clássimo.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Utilizando jogos: Can can

Existem muitos jogos no mercado, como afirmei anteriormente, que podem ser usados durante os atendimentos direcionados para melhoria do desempenho escolar. Como prefiro trabalhar em grupo, discutirei inicialmente jogos coletivos.

O mais usado por mim é o Can can da Grow. Esta empresa tem baixado bastante a qualidade de seus produtos. Imagino que seja a concorrência severa dos produtos chineses. Enfim, os jogos antigos são bem melhores que os modernos. As cartas novas estão transparentes sendo fácil visualizar as cores que os oponentes têm em suas mãos.

Gosto muito deste jogo porque ele possui muitas regras. Apenas crianças inteligentes conseguem coordenar todas as normas para jogar. Em geral, durante minhas avaliações psicológicas também o utilizo por isso. Expresso todas as regras inicialmente. Se a criança lembra-se de como jogar e coordena as regras na segunda partida, a suspeita de deficiência mental está descartada.

O Can can é um baralho de 116 cartas, divididas em quatro cores (amarela, vermelha, verde e azul), quarenta numeradas de um a dez, quatro figuras e dois coringas.

A regra básica é seguir em cor ou desenho a carta que está sobre a mesa, lembrando que um número é um desenho. Assim, se temos um cinco amarelo poderemos jogar uma carta amarela ou um cinco de qualquer cor. Há cartas especiais chamadas figuras. Elas possibilitam pular o próximo jogador, reverter a ordem do jogo entre horário e anti-horário, fazer o jogador seguinte pegar duas cartas e não jogar, e obrigar o jogador anterior a comprar uma carta. Há ainda os coringas que podem ser usados sobre qualquer cor com a diferença que o coringa +4 obriga o próximo jogador a pegar quatro cartas e não jogar. O coringa +4 só pode ser descartado caso o jogador que possuí-lo não tiver descarte possível. Porém, é permitido o blefe. Este pode ser questionado por quem se sente prejudicado. No caso de verificado o blefe, o dono do coringa deve recolhê-lo e comprar quatro cartas, descartando a carta possível. Em caso de ato correto, o acusador comprará mais duas cartas além das quatro. A verificação é feita com o jogador dono do coringa mostrando suas cartas ao acusador. Para os dois tipos de coringas é necessário que quem o descartou escolha a cor que o jogador seguinte deverá usar. É possível rebater as figuras +2, neste caso somam-se as cartas quando o jogador não puder rebatê-la. Quando um jogador estiver com apenas uma carta na mão, deverá anunciá-lo de viva voz, dizendo "Can can" ou "estou por uma". Caso esqueça, será punido com mais duas cartas, saindo assim da possibilidade de ganhar a partida. Após o "bate", o jogo segue até chegar novamente em quem bateu. Ganha quem termina o partida sem cartas na mão e o jogo, quem tem menos pontos. Os pontos são contados considerando-se o valor nominal das cartas simples, vinte pontos para as figuras e cinquenta pontos para os coringas.

Espero que o/a leitor/a tenha percebido porque entendo como inteligente a criança que consegue jogar o Can can na segunda partida sem dúvidas sobre as regras. Assim como as regras sociais, elas devem ser coordenadas constantemente. O movimento dos oponentes também deve ser observado para saber quais as melhores atitudes a tomar. Quais cartas descartar, quando blefar, quando fazer o jogo mudar de direção. Faço sempre um paralelo entre a complexidade deste jogo e as regras sociais. Principalmente, digo aos meus alunos que eles devem conhecer as regras com profundidade para que possam usá-las em benefício próprio e, assim, ganhar no jogo e na vida. O primeiro e mais simples exemplo é a explicação da professora. Ao prestar atenção na professora, fica fácil entender o que se deve fazer. É ela quem diz as regras. Seguir o que ela diz agiliza a execução da tarefa e será possível iniciar outra atividade em seguida.

Sim, eu sei que isto pode complicar a professora. Meus colegas psicólogos que não entenderam serão esclarecidos imediatamente: o aluno que termina rápido, brinca. A professora deve estar preparada para isso. Como a maioria dos meus alunos é hiperativa, tem assim a sua atenção treinada. Se atentos, compreendem rapidamente o que deve ser feito. Finalizam sua atividade e começam a atrapalhar a aula com suas conversas e brincadeiras, nem sempre saudáveis. Em geral, solicitamos às professoras que tenham mais atividades para eles enquanto os demais da turma estão finalizando a tarefa proposta para o momento.

Além de usar as regras, meus alunos devem estar atentos para seu momento de jogar e para o sentido em que o jogo está andando. Sou exigente e gosto de jogar rápido justamente para treinar sua atenção. Eles têm respondido bem a minha forma de atuar. Brigo com eles quando não sabem de quem é a vez de jogar ou quando não entendem o que está acontecendo: significa que estão desatentos.

Muito de nossos alunos são desorganizados o que lhes prejudica muito a atuação em sala de aula e a elaboração dos deveres de casa. Durante as partidas de Can can é fácil notar quem é desorganizado. Como atendemos em dupla, eu e a pedagoga, ao notarmos que a criança está atrapalhada, uma de nós vai até ela e mostra-lhe como organizar as cartas em sua mão. Há casos em que a coordenação deve ser trabalhada. Demonstramos como segurar as cartas, como movimentá-las facilitando assim a visualização de todas e portanto a organização de materiais. Aos poucos vamos levando nossos alunos a generalizar a ordem para outras áreas de sua atuação.

Outro ponto trabalhado é a observação social. Treino a leitura da reação dos colegas, da sua própria reação e seu auto-controle durante o jogo. Muitas vezes emoções fortes vêm a tona. Estes são momentos ricos em todos os jogos. São situações que devem ser pontuadas e interpretadas clinicamente. Tenho conseguido grandes ganhos com esta atitude. Ajo paralizando totalmente a partida, mudo o tom de voz, exijo a atenção de todos e mostro o que está acontecendo. Como uma intervenção pontual em grupo terapêutico de adultos, funciona muito bem com as crianças. Os próprios pequenos interpretam corretamente e, às vezes, mostram mais elementos do que eu havia notado. Talvez por serem crianças, suplantamos sintomas de dificuldade de aprendizagem com muita rapidez usando este método. Costumo usá=lo também para problemas que vão além da escola, por ter oportunidade, entendimento e disponibilidade para tal.

Em grupos de crianças pequenas, pode-se usar este jogo mais pedagogicamente, ensinando as cores básicas que o compõem, os números, inserindo as regras complexas aos poucos. Ao final, sempre exigimos a realização das contas. Caso os alunos já estejam no quarto ano, podemos solicitar multiplicação. Se foi um aluno que ganhou a partida, ele faz a nossa conta. Muito raramente ele se nega a fazê-lo. Já entendemos isso como um sintoma. Trabalhamos sua resistência a luz de sua dificuldade. Não podemos perder oportunidade de atuação. Temos sempre muito cuidado em fortalecer sua auto-estima e sua capacidade mental, mas a ideia central é provocar o seu desenvolvimento global.

Em todos os jogos, mostramos aos nossos alunos suas capacidades e desviamos sua fixação em erros. A maioria chega até nós desacreditados pelos professores, pelos pais e por si mesmos. Realizamos este resgate pela própria pessoa que se apresenta e a partir de sua mudança, os outros personagens passam a vê-lo de modo diverso.

Trabalhamos também a presença deles e assim seu investimento emocional e energético no que estão atuando. Fazemos isso através do contato físico nos braços e nas mãos. Os toques são inicialmente suaves e passam a ser pressões com a mão, chamando a pessoa para o momento presente. Esta técnica também é utilizada com os pais e professoras durante entrevistas. Ultrapassa-se, desta forma, barreiras psicológicas, dificuldades de envolvimento, entraves emocionais.

Usamos o Can can também aproveitando sua estimulação visual, a força do grupo, a diversão, a competição para motivar os alunos em participar de suas aulas. Traçamos um paralelo entre este jogo e as aulas em vários momentos. É imprescindível estarmos presentes e atentas para as ocorrências e realizarmos as ligações possíveis para efetuar a relação adequadamente.