quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Utilizando jogos: Can can

Existem muitos jogos no mercado, como afirmei anteriormente, que podem ser usados durante os atendimentos direcionados para melhoria do desempenho escolar. Como prefiro trabalhar em grupo, discutirei inicialmente jogos coletivos.

O mais usado por mim é o Can can da Grow. Esta empresa tem baixado bastante a qualidade de seus produtos. Imagino que seja a concorrência severa dos produtos chineses. Enfim, os jogos antigos são bem melhores que os modernos. As cartas novas estão transparentes sendo fácil visualizar as cores que os oponentes têm em suas mãos.

Gosto muito deste jogo porque ele possui muitas regras. Apenas crianças inteligentes conseguem coordenar todas as normas para jogar. Em geral, durante minhas avaliações psicológicas também o utilizo por isso. Expresso todas as regras inicialmente. Se a criança lembra-se de como jogar e coordena as regras na segunda partida, a suspeita de deficiência mental está descartada.

O Can can é um baralho de 116 cartas, divididas em quatro cores (amarela, vermelha, verde e azul), quarenta numeradas de um a dez, quatro figuras e dois coringas.

A regra básica é seguir em cor ou desenho a carta que está sobre a mesa, lembrando que um número é um desenho. Assim, se temos um cinco amarelo poderemos jogar uma carta amarela ou um cinco de qualquer cor. Há cartas especiais chamadas figuras. Elas possibilitam pular o próximo jogador, reverter a ordem do jogo entre horário e anti-horário, fazer o jogador seguinte pegar duas cartas e não jogar, e obrigar o jogador anterior a comprar uma carta. Há ainda os coringas que podem ser usados sobre qualquer cor com a diferença que o coringa +4 obriga o próximo jogador a pegar quatro cartas e não jogar. O coringa +4 só pode ser descartado caso o jogador que possuí-lo não tiver descarte possível. Porém, é permitido o blefe. Este pode ser questionado por quem se sente prejudicado. No caso de verificado o blefe, o dono do coringa deve recolhê-lo e comprar quatro cartas, descartando a carta possível. Em caso de ato correto, o acusador comprará mais duas cartas além das quatro. A verificação é feita com o jogador dono do coringa mostrando suas cartas ao acusador. Para os dois tipos de coringas é necessário que quem o descartou escolha a cor que o jogador seguinte deverá usar. É possível rebater as figuras +2, neste caso somam-se as cartas quando o jogador não puder rebatê-la. Quando um jogador estiver com apenas uma carta na mão, deverá anunciá-lo de viva voz, dizendo "Can can" ou "estou por uma". Caso esqueça, será punido com mais duas cartas, saindo assim da possibilidade de ganhar a partida. Após o "bate", o jogo segue até chegar novamente em quem bateu. Ganha quem termina o partida sem cartas na mão e o jogo, quem tem menos pontos. Os pontos são contados considerando-se o valor nominal das cartas simples, vinte pontos para as figuras e cinquenta pontos para os coringas.

Espero que o/a leitor/a tenha percebido porque entendo como inteligente a criança que consegue jogar o Can can na segunda partida sem dúvidas sobre as regras. Assim como as regras sociais, elas devem ser coordenadas constantemente. O movimento dos oponentes também deve ser observado para saber quais as melhores atitudes a tomar. Quais cartas descartar, quando blefar, quando fazer o jogo mudar de direção. Faço sempre um paralelo entre a complexidade deste jogo e as regras sociais. Principalmente, digo aos meus alunos que eles devem conhecer as regras com profundidade para que possam usá-las em benefício próprio e, assim, ganhar no jogo e na vida. O primeiro e mais simples exemplo é a explicação da professora. Ao prestar atenção na professora, fica fácil entender o que se deve fazer. É ela quem diz as regras. Seguir o que ela diz agiliza a execução da tarefa e será possível iniciar outra atividade em seguida.

Sim, eu sei que isto pode complicar a professora. Meus colegas psicólogos que não entenderam serão esclarecidos imediatamente: o aluno que termina rápido, brinca. A professora deve estar preparada para isso. Como a maioria dos meus alunos é hiperativa, tem assim a sua atenção treinada. Se atentos, compreendem rapidamente o que deve ser feito. Finalizam sua atividade e começam a atrapalhar a aula com suas conversas e brincadeiras, nem sempre saudáveis. Em geral, solicitamos às professoras que tenham mais atividades para eles enquanto os demais da turma estão finalizando a tarefa proposta para o momento.

Além de usar as regras, meus alunos devem estar atentos para seu momento de jogar e para o sentido em que o jogo está andando. Sou exigente e gosto de jogar rápido justamente para treinar sua atenção. Eles têm respondido bem a minha forma de atuar. Brigo com eles quando não sabem de quem é a vez de jogar ou quando não entendem o que está acontecendo: significa que estão desatentos.

Muito de nossos alunos são desorganizados o que lhes prejudica muito a atuação em sala de aula e a elaboração dos deveres de casa. Durante as partidas de Can can é fácil notar quem é desorganizado. Como atendemos em dupla, eu e a pedagoga, ao notarmos que a criança está atrapalhada, uma de nós vai até ela e mostra-lhe como organizar as cartas em sua mão. Há casos em que a coordenação deve ser trabalhada. Demonstramos como segurar as cartas, como movimentá-las facilitando assim a visualização de todas e portanto a organização de materiais. Aos poucos vamos levando nossos alunos a generalizar a ordem para outras áreas de sua atuação.

Outro ponto trabalhado é a observação social. Treino a leitura da reação dos colegas, da sua própria reação e seu auto-controle durante o jogo. Muitas vezes emoções fortes vêm a tona. Estes são momentos ricos em todos os jogos. São situações que devem ser pontuadas e interpretadas clinicamente. Tenho conseguido grandes ganhos com esta atitude. Ajo paralizando totalmente a partida, mudo o tom de voz, exijo a atenção de todos e mostro o que está acontecendo. Como uma intervenção pontual em grupo terapêutico de adultos, funciona muito bem com as crianças. Os próprios pequenos interpretam corretamente e, às vezes, mostram mais elementos do que eu havia notado. Talvez por serem crianças, suplantamos sintomas de dificuldade de aprendizagem com muita rapidez usando este método. Costumo usá=lo também para problemas que vão além da escola, por ter oportunidade, entendimento e disponibilidade para tal.

Em grupos de crianças pequenas, pode-se usar este jogo mais pedagogicamente, ensinando as cores básicas que o compõem, os números, inserindo as regras complexas aos poucos. Ao final, sempre exigimos a realização das contas. Caso os alunos já estejam no quarto ano, podemos solicitar multiplicação. Se foi um aluno que ganhou a partida, ele faz a nossa conta. Muito raramente ele se nega a fazê-lo. Já entendemos isso como um sintoma. Trabalhamos sua resistência a luz de sua dificuldade. Não podemos perder oportunidade de atuação. Temos sempre muito cuidado em fortalecer sua auto-estima e sua capacidade mental, mas a ideia central é provocar o seu desenvolvimento global.

Em todos os jogos, mostramos aos nossos alunos suas capacidades e desviamos sua fixação em erros. A maioria chega até nós desacreditados pelos professores, pelos pais e por si mesmos. Realizamos este resgate pela própria pessoa que se apresenta e a partir de sua mudança, os outros personagens passam a vê-lo de modo diverso.

Trabalhamos também a presença deles e assim seu investimento emocional e energético no que estão atuando. Fazemos isso através do contato físico nos braços e nas mãos. Os toques são inicialmente suaves e passam a ser pressões com a mão, chamando a pessoa para o momento presente. Esta técnica também é utilizada com os pais e professoras durante entrevistas. Ultrapassa-se, desta forma, barreiras psicológicas, dificuldades de envolvimento, entraves emocionais.

Usamos o Can can também aproveitando sua estimulação visual, a força do grupo, a diversão, a competição para motivar os alunos em participar de suas aulas. Traçamos um paralelo entre este jogo e as aulas em vários momentos. É imprescindível estarmos presentes e atentas para as ocorrências e realizarmos as ligações possíveis para efetuar a relação adequadamente.

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