sábado, 5 de novembro de 2011

Possibilidades de gênero

Acabo de entrar em contato com o drama de uma pessoa que nasceu com um sexo, mas pensa, sente e age conforme outro gênero.

O corajoso João Nery nos apresenta o conflito em que vive desde os quarto anos de idade quando começou a agir conforme seu gênero: masculino. Ele mostra a rigidez da sociedade moderna em aceitar as pessoas como elas simplesmente são e como isto dificulta todas as ações de quem não se enquadra em seus preceitos. É muito complicado se colocar no lugar de João mesmo lendo o livro. Suas dificuldades são de todos os níveis: afetivo, físico, postural, relacional, profissional. Até ir ao banheiro é complicado. Ao ir a um banheiro feminino, João era expulso por demonstrar ser homem. No banheiro masculino, não é possível usar o mictório, esperar pela cabine era questionado pelos demais usuários. Nas ocasiões em que todos os homens vão às árvores, João sempre precisou de banheiro formal. Todos os conhecidos lhe cobravam uma postura feminina, mesmo tendo diante de si um homem.

João perdeu toda sua produção reconhecida socialmente ao decidir ajustar seu corpo à sua personalidade. Seu diploma, seus direitos trabalhistas, seu currículo, seu nome. Nasceu de novo. Recomeçou. Mesmo já estabelecido profissionalmente, João preferiu modificar seu corpo a prosseguir em desajuste com ele. Além disso, pode ser considerado um criminoso por ter alterado seus documentos ilegalmente para evitar constrangimentos (vê-se um homem que tem documentos femininos): falsidade ideológica.

Solicito que façam uma análise agora: diploma, carreira em ascensão, reconhecimento profissional dispensados por um corpo em conformidade com a sua auto-imagem. Imaginem o sofrimento por que passa esta pessoa!

Precisamos mesmo testemunhar o sofrimento atroz de alguém para que possamos aceitá-la por piedade? Não deveríamos compreendê-la e aceitá-la como é e receber sua oferta social sem cobranças preconcebidas?

Imagino que a/os leitora/es estão questionando porque resumo a história dramática de João neste blog de Psicologia Escolar. Explico: nossa sociedade é preparada na família e na escola. Minhas professoras costumam me encaminhar crianças que não seguem os padrões de gênero que demonstram. Gays, Marias João estão nas escolas durante a infância e nossos detectores de desvios os anunciam rapidamente. As crianças os apontam, desrespeitam. São pessoas que devem ser adaptadas, curadas, consertadas. E quem melhor do que um psicólogo para realizar tal ajuste?

Nós precisamos estar preparadas para esta demanda. O que diremos quando uma/um professor/a nos solicitar atendimento neste sentido? Entendemos que as pessoas têm direito de se manifestarem como são? Compreendemos que orientação sexual não é uma opção? Vislumbramos as possibilidades de gênero que o ser humano apresenta? Percebemos que a sociedade não oferece liberdade de ação, mas exige que se cumpram seus padrões? Sabemos que a fuga das normas sociais tácitas impõe sérias restrições e punições severas? Estamos preparados para nos colocar no lugar do ente que sofre ao invés de julgá-lo como todos os outros agentes sociais fazem? Que diferença a psicologia pode fazer para as pessoas de orientação sexual diferente do padrão estando dentro das escolas?

A professora de João sempre o aceitou sem dizer à família que havia algo errado com ele.

Indico a autobiografia de João W. Neri – Viagem solitária: memórias de um transexual trinta anos depois.

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