segunda-feira, 17 de março de 2014

Paternagem

Há tanto tempo não escrevo no meu blog que não tenho desculpa para dar. Neste último ano e meio investi muito em mim mesma e de fato não sobrou desejo para mais nada. De qualquer forma, peço desculpas pela tão prolongada ausência.

Tenho um grupo de amigos que discutem muito sobre o ser feminino e o ser masculino. Não é a toa que estou envolvida com estas pessoas. Eu estudo Psicologia do Gênero desde a minha graduação. Fiz esta disciplina com Maria Helena Fávero em 1996 ou 97. Faz um tempão. Depois, cursei a disciplina de mesmo nome na pós-graduação, mas com outras docentes e com menos brilho. Quem foi aluna/o de Fávero sabe do que estou falando.

Hoje, na escola, tenho me questionado sobre a orientação de pais-homens. Como indicar-lhes um caminho? De que ponto partir? Como tratar os filhos, os meninos-homens, as meninas-mulheres? Deve haver diferença? Se sim, que diferença? Como o homem pode oferecer colo para os filhos? Deve oferecê-lo para meninos e meninas igualmente? E eu, enquanto mulher, posso fazer essas orientações? Deveria eu consultar um outro psicólogo-homem para me ajudar a respondê-las?

Vamos começar a falar do meu próprio ponto: do ponto da mulher falando para outra mulher em um mundo feminino. A escola é um terreno feminino. Podem discordar se quiserem. Eu firmo minha opinião aqui. Os espaços do cuidado e da educação são femininos. A maioria da categoria profissional de educador é mulher. Não há como deixar de ser quem se é para se atuar profissionalmente. Isso tem um impacto sobre a formação das crianças. Qual será o impacto desse espaço dominado pelo feminino nas crianças do sexo masculino?

Eu oriento mães. A maioria dos responsáveis que vem falar conosco quando chamados pela escola é mulher -- a mãe, a madrasta, a avó, a tia mesmo que paterna, a irmã. Falando de mulher para mulher, indicamos as incertezas, as falhas, as possibilidades. Ficamos lado a lado com a outra, nos colocamos em seu lugar de trabalhadora com filhos para sustentar, criar, educar, alimentar, afetar, adular, ninar e mimar.

Hoje atendemos, eu e minha colega pedagoga, uma mãe zelosa, mas que não sabe como educar sua filha. Minha primeira intervenção foi a dela oferecer seu colo, abraçar a filha sempre, acariciá-la. Já falei sobre o impacto do contato físico em nós, animais aqui. Bem, ela tomou um grande susto.
Imagine se fosse o pai da criança?

Será que se eu der a mesma orientação para um pai de aluna, o efeito será parecido? Dessa pergunta eu tenho resposta: não. NÃO! Atendi há alguns meses um pai de aluna com comportamento altamente sexualizado. Suas brincadeiras ocorriam com meninos da mesma idade, mas eram muito frequentes e avançadas, assustando as educadoras da escola e o pai. Ao abordar o assunto do colo, o pai ficou absolutamente transtornado. Foi necessário realizar uma intervenção e o senhor reagiu com uma forte catarse. Ora, me desculpem, uma catarse é sempre forte, mas não posso deixar de dar ênfase ao fato. Ele simplesmente disse-nos que não o faria porque tem pânico em imaginar que pode abusar sexualmente da filha.

Então, vejamos: um pai entra em pânico quando a psicóloga da escola da filha indica que ele deve afagar a sua filha, mostrando seus sentimentos em relação a ela de forma física. Uau! Não é novidade para ninguém que nossa sexualidade está distorcida. Não entrarei nessa seara por enquanto. Mas se eu não posso pedir ao pai que o faça, a responsabilidade ficará toda sobre a mãe? Acrescento, então, que a mãe da menina em questão é falecida. E agora? Solicitamos a madrasta? A nova esposa foi abusada enquanto criança ou adolescente e tem dificuldades com toque físico. E agora?

Como sempre eu mostro aos meus leitores que ser psicóloga escolar não tem nada a ver com jardim ou paraíso. Nossas questões são as mais pesadas, assim como de toda a nossa categoria. O que eu defendo neste blog desde a minha primeira postagem é a assunção do nosso papel profissional. Vou expor qual foi a minha orientação para o pai no caso acima descrito.

Após realizar o atendimento emergencial do pai, eu o orientei para mudar radicalmente sua postura em relação a filha e oferecer, sim, seu colo à pequena. Infelizmente, só é possível confiar nos pais para realizar as massagens necessárias ao bom desenvolvimento psicológico durante a infância. Corremos um risco, mas o menor. Ensinei-lhe a se vigiar, já que se sente tão amedrontado com a possibilidade de abuso. Também indiquei uma psicoterapia para ele. A menina reduziu as brincadeiras sexuais a ponto das queixas escolares se anularem. Ela mostra-se menos triste (havia também o luto da mãe).
E se esta nossa pequena cliente fosse um menino? Como teria sido a reação do pai?

Vejo uma crescente participação dos pais-homens na educação formal de nossas crianças. Isso é absolutamente louvável e deve ser respeitado para que o movimento prossiga. Digo isso porque é comum que nós mulheres digamos: "E já não era sem tempo!" Sim, estamos sobrecarregadas, mas o homem também tem problemas que sequer sonhamos. E eles têm um ponto negativo contra: não têm com quem falar de sentimentos e emoções. Não lhes foi permitido sentir ou falar sobre o que vai com eles.

Será que é coincidência que os meninos são encaminhados em maior número para o neurologista, psiquiatra, escolinhas de esporte? A delinquência juvenil, o abuso de drogas, a agressividade física descontrolada, a morte precoce, o suicídio são mais comuns em homens. Estudiosos apontam para a necessidade da criação de secretarias de estado especializadas na atenção à saúde do homem. De fato, o Ministério da Saúde já instituiu alguns programas nesse sentido.

O livro Pai Ausente, Filho Carente de Guy Corneau, indica, em sua página 30,
"Os filhos que não receberam uma 'paternagem' adequada enfrentam com frequência os seguintes problemas: na adolescência tornam-se confusos quanto a sua identidade sexual e muitas vezes apresentam uma feminização do comportamento; falta-lhes amor próprio; reprimem sua agressividade e, com ela, sua necessidade de afirmação, sua ambição e sua curiosidade exploratória. Podem também ter problemas de aprendizagem. Demonstram muitas vezes dificuldade em assumir valores morais e responsabilidades e em desenvolver o senso do dever e de obrigação em relação ao outro. A ausência de limites se manifestará tanto na dificuldade de exercer  a autoridade, quando na de respeitá-la; finalmente, a falta de estrutura interna ocasionará certa fraqueza de temperamento, ausência de rigor e, em geral, complicações na organização da própria vida. Além do mais, as pesquisas indicam que têm maior propensão ao homossexualismo do que os filhos cujos pais estiverem presentes. Têm também maior suscetibilidade a problemas psicológicos: a pior hipótese será a delinquência, a droga e o alcoolismo, tudo isso envolvido por uma revolta infinda contra a sociedade patriarcal, revolta que devolverá ao pai faltoso a imagem de sua ausência."
Este livro foi publicado em 1989, traduzido e editado no Brasil em 1991. Tem tempo!

Ressaltei, em azul claro, os sintomas que considero parecidos com o conjunto a que damos o nome de transtorno de déficit de atenção e hiperatividade. Quando foi que Leon Eisenberg juntou os sintomas para denominar de TDAH?

Mais adiante em seu livro, Corneou afirma:
"É absolutamente necessário que os homens comecem a afagar seus filhos, em particular os meninos; assim abrirão para eles a porta da sensibilidade e, ao fazê-lo, descobrirão também sua própria sensibilidade. Isso significa que a sensualidade [não confundir com sexualidade] não será mais proibida aos homens e que as mulheres não mais serão ali isoladas; os homens também têm um corpo, e as pessoas têm necessidade de ser tocadas para manter seu equilíbrio e saber que existem." (pág. 38)
Agradeço à Elizabeth Carneiro por me oferecer este livro. Salvou-me. Sim, porque ser pioneiro é muito difícil, imagina ser pioneira?

Escrevi tudo isto para contextualizar as questões que atualmente me afligem. Como será que eu, enquanto mulher, posso auxiliar os homens-pais a fazer a sua paternagem?

Faço aqui um apelo às minhas colegas psicólogas escolares: os homens precisam de ajuda. Eles não sabem ser pais. Muitos acham que buscar na escola, oferecer o sustento, dar presentes e estar em casa é ser um excelente pai. Nós precisamos descobrir o que é ser um bom pai, que atitudes e comportamentos constituem este ser de forma a suprir as necessidades dos filhos, meninos-homens e meninas-mulheres, em relação ao seu desenvolvimento global. Precisamos descobrir para depois ensinar a eles!

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